RESENHAS CRÍTICAS





 “A Exceção e a Regra ”: proximidade e comprometimento
Thiago Gonçalves Silva
A peça A Exceção e a Regra de Bertolt Brecht é um texto traduzido para o português trata de maneira dinâmica as relações opressivas e exaustivas de trabalho, dialogando então com o elo entre o opressor e oprimido. A história relata alguns grupos que disputam uma corrida à Urga. Quem chegar primeiro, ganhará a concessão para explorar petróleo na cidade. Durante a viagem, o espetáculo expões a relação entre essas duas vertentes de forma radical, apontando então os mecanismos utilizados para validar essa exploração.  
No que se refere ao figurino, houve um crescimento na qualidade considerável, já que, na apresentação do dia 11 de novembro, estava clara a separação dos personagens opressores e  oprimidos através das roupas. Principalmente no que se refere ao figurino do opressor. Os sacos que os empregados carregavam deu a ideia de cansaço, exaustão e fadiga, o que foi nítido para o público. Porém, algum dos personagens deveria ter se mostrado um pouco mais forte, já que todos eles viam-se debilitados. Uma pessoa oprimida não necessariamente deve ser frágil.
A escolha do cenário foi essencial para o desenrolar do espetáculo, já que foram utilizados efeitos cênicos que demonstraram a longa e árdua viagem até Urga. A escolha do teatro de arena foi extremamente pertinente neste espetáculo, pois o mesmo fala sobre a relação entre o explorador e o explorado. Isso fez com que o público se sentisse em cena. No que diz respeito ao rio que eles atravessam no meio da viagem, a imagem contida no telão em contraste com a rede em movimento, surtou um efeito marcante, dando dimensão ao ardor da travessia. A mudança de cenário, logo após a morte de um dos trabalhadores deu ao público justamente essa inserção no espetáculo, fazendo com que de fato as pessoas se sentissem em um julgamento. Outro ponto a ser elogiado foi a troca de personagens (os oprimidos no primeiro momento que se tornaram juízes) que se deu no momento do júri.

De maneira geral houve uma melhora significativa em todo o espetáculo, se comparado a pré-estreia. Era nítido o comprometimento do grupo com o texto haja vista  o cenário, o figurino e a interpretação das personagens. 

QUANDO A LUA FALOU

Gisllayne Christina Silva Calado – 12/0031507

                        A peça “Um Dia Ouvi a Lua”, apresentada  no I X QUARTAS DRAMÁTICAS no dia 04/11,  é de autoria de Luiz Alberto de Abreu, inspirada em canções caipiras, conhecidas da dupla Tonico & Tinoco: “Adeus, Morena, Adeus”, “Rio Pequeno” e “Cabocla Tereza”, que baseiam um trio de histórias, que têm um “quê” em comum e vão se costurando e nos prendendo no decorrer da peça.
            A peça centra-se em três mulheres, Beatriz, Tereza e Sá Mariazinha, que enfrentam o machismo, procurando compreender seus destinos, recriando, portanto, as histórias, do ponto de vista feminino, com comédia e muito romance.
            Na apresentação, somos recebidos ao som calmo do violão. O violeiro dedilha algumas notas, iluminado apenas pela luz do lampião, uma luz baixa e tão calma quanto as notas que ele faz. Então ele começa a narrar o que iremos presenciar  e a história é  muito linda, de forte teor  romântico. E tem muitos pontos de humor, que ajudam a quebrar a “melosidade” do decorrer da peça, mas sem quebrar o liame romântico da mesma.
            A peça foi encenada em palco clássico, estilo italiano, o que favoreceu, a meu ver, a apresentação do grupo, pois conseguiram montar um cenário lindo, que atendeu às necessidades dos atores, sem atrapalhar o desenrolar da história e sem atrapalhar os telespectadores. Mas antes da peça em si, na introdução, que foi realizada em espaço separado do palco, do lado de fora da sala, quando fomos recebidos pelo violeiro, desde já percebemos o estilo de cenário bem trabalhado.
            O que mais me impressionou foi a disposição dos atores em várias personagens. O grupo era, consideravelmente, pequeno, em relação ao número de personagens que havia na peça, mas isso não foi empecilho para o grupo! Eles conseguiram trabalhar, rápida e perfeitamente, com trocas de figurinos, essa transição de personagens. Isso foi realizado de forma tão natural que mal percebia-se que tratava-se do mesmo ator. Assim, a escolha dos figurinos foi de grande responsabilidade e foi executada perfeitamente. Os figurinos estavam impecáveis, camisas xadrez de botão para os meninos, calças de saco, chapéus do sertão, botas, vestidos para as meninas, enfim, passava a impressão de sertão.
            Outra coisa que me impressionou bastante foi a desenvoltura dos atores como músicos, e como tocar o violão e ler o texto ao mesmo tempo, parecia tão natural para eles, já que executaram ambas as ações perfeitamente.   
            O cenário estava divino! Uma atmosfera que envolvia a todos! Logo no início, quando somos recebidos pelo violeiro, quase não percebemos que ele lê o texto, pois o mesmo encontra-se em uma espécie de suporte, que deu a impressão de ser um toco de árvore, então ele utilizou-se de um elemento do cenário para colocar seu texto, o que foi muito criativo, tirando a atenção do público do papel e dando mais realidade à peça e mais proximidade do público com a mesma.
            Após entrarmos na sala principal, havia folhas secas por todo o chão, um banco com flores no centro, um canto onde havia outro violeiro, e no outro extremo duas janelas, com flores decorando, tudo bem rústico, com materiais remetendo à madeira e muitas flores. Todo o cenário contribui para o desenrolar da peça. Todos os elementos foram utilizados, de forma criativa, dando sentido à sua existência ali. Os únicos elementos que ficaram aleatórios, foram as bonecas que as meninas traziam quando viam ao palco, acredito que se elas tivessem dado um modo de inserir os textos nas bonecas, teria sido melhor, porque, às vezes, elas se atrapalhavam entre segurar a boneca e o texto, e desligava um pouco o público da história; como por exemplo, o assassino que pagava sua pena, trouxe o texto junto à pedra, que era um elemento característico do personagem, e ele deu uso a ele.
            A iluminação acompanhava a fala das personagens, o que nos ajudava a internalizar ainda mais. Quando os narradores falavam, os violeiros, a luz era branca, havia uma luz verde quando as demais personagens falavam, que geralmente eram histórias de amor, felizes. Quando Tereza começou a falar – Tereza é a que foi morta por seu marido, Antônio Bento, e o arrastava, puxado por uma corda, enquanto ele carregava sua pedra, pagando sua pena – a luz que tomava o palco era vermelha! Dando a ideia de morte, de tristeza quando ela contava sua história.
            O que ajudava muito, também, a dar esse ar melancólico quando Tereza falava, era a música. Havia um som de fundo, notas melancólicas sendo dedilhadas pelo violeiro. Como disse em minha resenha anterior – sobre a peça TAC TIC – eu amo música, e quando bem colocada, ela transporta o telespectador para a atmosfera da cena, fazendo com que sinta melhor e mais forte a emoção que a cena quer passar e os atores/músicos conseguiram trabalhar isso de maneira extraordinária. Havia outros pontos da peça em que os atores cantavam também, canções com temas da peça, falando da Morena que era Sá Mariazinha, ou da Lua, que faz parte do nome da peça.
            Uma dificuldade que os atores cuidaram com muita facilidade foi que, por ser uma peça de Luis Alberto de Abreu, sua grande maioria acontece de forma narrativa, mas eles lidaram com isso tranquilamente, conseguindo passar as ideias perfeitamente e encenando as narrações, como quando as personagens de Beatriz e seu amado estão no palco narrando suas histórias enquanto um outro casal de atores representava as mesmas personagens, só que mais novos, encenando o que eles narravam.
            O desfecho foi ótimo! A Sá Mariazinha, quando foi falar com a Lua, tinha Tereza e Beatriz lhe aconselhando, e a grande Lua do cenário iluminou-se enquanto todo o resto escureceu, deu um efeito lindo!
            Levando em consideração que eu assisti à pré-estreia, a evolução do grupo foi extrema! Apesar de terem ocorrido pequenos deslizes causados pelo nervosismo, como se perder no texto, gaguejar e trocarem olhares de “sua vez” entre as falas, eles conseguiram, desta vez, passar toda a emoção da história para os telespectadores, o que enriqueceu em 100% a apresentação. Utilizaram-se de todos os elementos e técnicas cênicas que os favoreciam e deram um verdadeiro show! Nesta noite a Lua falou e eu ouvi uma, ou melhor dizendo, três lindas histórias.









Análisis crítico de Tic-tac à la rue de Pingouins
Yoilet Gabriela Ramos Hernandez[1]


     Esta pieza fue dirigida por Glória Magalhães profesora ligada al Departamento de Lenguas Extranjeras y Traducción de la Universidade de Brasilia (UnB), la cual llevo esta pieza teatral francesa del francés al portugués, acompañada de sus alumnos Danilo de Sousa y Islia Vaz, actores de la misma que como ya fue dicho aportaron en la traducción de la pieza, teniendo como ventaja hacerla lo más confortable para su interpretación, pero sin perder la esencia de la pieza original de la obra, dejando así un aire francés en las palabras.

     En el comienzo de la pieza teatral llevaron con pasión la expresión corporal de sus personajes sin emitir la más mínima palabra envolviendo así el público asistente de la obra, se va desenvolviendo una interacción indirecta con el público y entre los personajes, que juegan con su reflejo a través de un marco que hace imaginar al publico un espejo, siendo uno el reflejo del otro a través de este y con palabras que expresan un mismo personaje o pensamiento. Consecuentemente la escenografía fue muy bien dominada por el elenco, mostraron total dominio y manejo de la iluminación durante la presentación, igualmente con el figurín de los personajes, que los enlazaba. En general una fusión entre el arte de la expresión corporal, la iluminación y interpretación de la lectura en escena de la cual tenían un dominio prácticamente completo, pero en lo personal, falto un poco más a la hora de dar vida a esa lectura quizás con un comienzo más impactante para el público que ya se encontraba envuelto con un comienzo donde solo las expresiones corporales salían a relucir. La lectura en escena se caracteriza por llevar lo escrito a lo dicho, a través de la interpretación de la misma.

     Dando continuación a la trama, observamos el pasaje de una mujer para el cuerpo de un hombre y viceversa, desde mi opinión podía tener una caracterización corporal del interpretador más fuerte, quizás más brusca, pero en general fue una excelente interpretación de la obra, con algunos detalles para mejorar la misma, pero nada que no deje apreciar la interpretación del personaje de los actores, con una apreciable interacción entre ellos desde el comienzo hasta el final de la pieza, que con una profundización del texto y practica mejoraría, en correlación al texto como presencia en escena fueron bastante creativos ya que ellos lo colocaron en un espejo, que iba de acuerdo con su personaje encajando de una manera única en la trama sin parecer mismo un texto, si no, un objeto de escena para su personaje.





[1]  Venezuela. Graduanda no curso de medicina (UnB)




O Tac Tic, Tic Tac no espelho
Anna Alice

            Conflito de personalidade. Tac Tic na Rua dos Pinguins, de Gustave Akapko nos faz pensar exatamente nisso, no conflito de personalidade da personagem principal da peça. A personagem se apresenta como Pascale, em francês um nome feminino, mas em seguida se apresenta como Pascal, um nome que na França é masculino.  A peça se passa dentro do quarto da personagem, na sua casa. Todos os seus conflitos e questionamentos são realizados em frente a um espelho, onde Pascal/Pascale se enxerga de jeitos diferentes, de um lado homem, do outro mulher. Este cenário, apesar de pequeno, colabora para a definição do tema da peça. Como os atores estão de frente a um espelho, identificamos que a personagem vê em seu reflexo um corpo de um homem e um corpo de uma mulher. Este espelho é, então, uma peça crucial do cenário.
São dois atores encenando, mas a personagem é uma só. Conseguimos verificar a presença de uma única personagem pelo fato das falas deles se complementarem. Em um certo momento ele pergunta “Onde você mora?” ela responde o endereço e ele responde “Engraçado, também moro lá” é neste momento que fica marcado que estão falando da mesma pessoa, só que em corpos diferentes.
            A cena se mostrou bastante interessante. No decorrer de todas as falas a personagem nos prende para ver se descobrimos o que ela realmente quer ser ou quem ela realmente é. Intrigante. Este é o adjetivo que pode caracterizar bem a cena que nos foi apresentada. O fato da personagem mostrar que a definição de gênero é irrelevante nos faz pensar sobre a rotulação e sobre ser desnecessária a diferença do masculino e do feminino. Os atores conseguem demonstrar este lado do corpo ser um só, deles serem um só, quando trocam o lado do espelho, tiram suas roupas e as trocam entre si, mostrando que independente de você ser homem ou mulher você é capaz de vestir o que quiser, um homem pode usar saia e uma mulher roupas folgadas, você é dono de seu corpo e responsável pela sua definição de gênero.

             A iluminação e o cenário estavam se encaixando perfeitamente, o texto, que foi traduzido do francês para o português, estava muito bem traduzido e adaptado para a nossa língua e para a realização de uma leitura cênica. Falando de forma geral, a peça me agradou bastante, a questão de gênero foi abordada de uma forma sutil, mas conseguiu ser apresentada como tema principal, que está em constante debate na nossa sociedade. 


SÓ PODE SER TEATRO
Bárbara de Pádua Gontijo

Uma armação constrói um “espelho cênico” que divide o palco. Projeções, ao fundo, expõem fotos de partes do corpo humano que reforçam as ideologias do masculino e do feminino. Entram os atores e se posicionam ­– de um lado, o ator; do outro, a atriz. Um porta retrato na mão de cada um abriga o texto que será lido e, folha por folha, jogado no chão. A apresentação dos personagens (Pascal e Pascale), feitas por eles mesmos, é metalinguística – “só pode ser teatro”, um dos personagens diz. Ao se olharem  no espelho, no momento em que têm de se encarar,  eles se sentem expostos, como se estivessem de fato em um teatro, como se a plateia os encarasse em busca de respostas. Uma transposição de camadas interessante– a realidade dos atores e a realidade dos personagens.
Estamos, então, frente a um homem e uma mulher que se olham no espelho procurando entender que corpo os abriga. Eles não dialogam, apenas conversam consigo em  pequenos solilóquios, até o momento em que eles trocam de lugar. Atravessam o espelho cênico e a iluminação muda. Aos poucos, eles trocam de roupa – um com o outro. Há uma relativa confusão por parte da plateia, pois não se sabe, ao certo, o que aconteceu; o que significa aquela troca de posições – seria uma troca de papeis?
A partir do diálogo que se inicia entre os dois personagens, fica mais claro que a discussão do espetáculo é uma discussão de gênero. O conflito, agora, está em uma falta de auto reconhecimento, pois o corpo que habitam já não condiz com o gênero pelo qual eles se reconhecem. “Ela tomou o meu lugar”, Pascal diz se referindo a Pascale, que está com o seu corpo.
Chegando ao fim do espetáculo, caminhamos junto com os personagens até uma conclusão: Pascal e Pascale são a mesma pessoa. Um homem que habita a mulher e a mulher que habita o homem.
O palco está coberto pelas páginas que foram lidas na leitura encenada. Os atores dominam a leitura e a encenação de maneira admirável, sem que a leitura pareça uma espécie de bengala cênica, mérito da uma direção minuciosa e preocupada de Glória Magalhães, responsável, também, pela tradução do texto de Gustave Akakpo.

 A apresentação de Alice Araújo, após o espetáculo, propôs uma discussão sobre os diferentes ‘fazeres tradutórios’ que ocorrem até se chegar à mise-en-scène e que, claro, ocorreram para se obter o resultado a que assistimos no espetáculo Tac Tic Na Rua dos Pinguins.



015/1
“Casa Caos” e o jogo caótica da LEITURA
Gabriel Neves

Silêncio e desconforto para uma apresentação que começa do lado de fora de um palco. Sob uma luz âmbar, existe cinco textos que permitem o público ler na ordem que desejarem. Entrando, somos molhados suavemente por um borrifador de água. Todo o cenário é branco, o que nos leva direto para uma loucura. Existe uma arara com várias roupas, um par de sapatos com um chapéu em cima, um abajur, um prato, uma faca e sapatos femininos pendurados no teto. Entre as roupas, há uma mulher digitando numa máquina de escrever. E aí começa minha estupefação.
Casa Caos não é de um dramaturgo renomado, como Alcione Araújo ou Samir Yazbek, é da iniciante Fernanda Paixão. Sendo seu primeiro texto, porém, em nada ela fica atrás de outros tantos que investem na arte de escrever e sentir teatro. Acompanhamos um monólogo de quase uma hora sobre C., uma mulher que vê lirismo em objetos do cotidiano de qualquer pessoa sentada no auditório para ver sua performance. Existe um novo uso para todos os objetos apresentados. A casa vira a vida de C.. Quão surpresos ficamos ao realmente ver sapatos sociais e um chapéu se transformarem em um homem em nossa frente? Não há mágica, apenas há força dramatúrgica e cênica. O inverso também ocorre. A mulher se camufla com o ambiente. Mesmo usando uma roupa preta, podemos confundi-la com sua sombra passando por um corredor escuro, podemos sentir o desconforto que ela sempre. C. vira um abajur, vira parte de seu vestuário, vira um texto.
Quanto à leitura dramática, talvez Casa Caos seja o que mais apresentou inovações ao colocar o texto em diversas plataformas possíveis, integrando-o com toda a disposição cênica. Há palavras nas paredes, nas roupas, presas nos tecidos e pré-determinadas na máquina de escrever. O café possui palavras e os remédios, ainda mais palavras. O chão é decorado com palavras sobre o chão e a atriz consegue dispor com grandeza do todos os recursos utilizados.
A dificuldade cênica de manter o interesse e deixar a dispersão para fora do teatro é grande, mas a atriz Bárbara Figueira consegue fazer isso muito bem. Há interesse em seu texto que consegue infectar os presentes com as mesmas sensações, com inflexões e diferenças tônicas. Inclusive, de sensações Casa Caos está cheia. Há mistura de mídias. Aos poucos surge um powerpoint para definir ainda melhor a relação dela com o seu próprio caos. De repente ela aparece em uma projeção, imersa na escuridão, para falar para a própria pessoa que se encontra em pé, esperando o escuro ganhar forma e amizade.
O caos é vivido enquanto somos banhados por azul, amarelo, vermelho, preto e, principalmente, branco. Acompanhamos em pouco menos de uma hora um dia inteiro, temos o cansaço, compartilhamos a alegria e conseguimos ver tudo isso banhado na extrema solidão experimentada intrinsicamente pela nossa empática protagonista em seu caos pessoal. Uma belíssima montagem de primeira viagem, um emblemático retrato da loucura nossa de cada dia.


Antes da coisa toda começar, de Maurício Mendonça e Paulo de Moraes.
Flávia Martins Ferreira
            
A peça "Antes da coisa toda começar" inicia-se com a improvisação do grupo, pois enquanto a platéia está entrando no auditório e os atores estão dançando aleatoriamente, o que causa certa estranheza e dúvida em como a história da peça irá se desenrolar..
            O cenário é simples e o palco é dividido em trêa ambientes: no primeiro  à direita, há uma arara com roupas , que demonstra que ali é um quarto; no segundo, ,  no centro, há uma mesa com um pano branco decorando-a; já no terceiro, há outra mesa, mas em vez do pano branco, ela está coberta de vermelho, o que separa os ambientes muito bem, devido aos contrastes das cores.
            A história se desenrola em três histórias, que mesmo elas tendo enredos diferentes, há algo no "ar" que as juntam, principalmente,  através do  Espectro, personagem que faz um monólogo inicial e  aparece em quase todas as histórias.
            De início, o Espectro aparece, monologando. Em seguida, no canto esquerdo, a primeira história se inicia com uma jovem: ela comenta sobre o sonho que teve com o irmão. Ela aparenta ser melancólica e ao mesmo tempo, quer se aventurar. Ao longo do enredo os irmãos mostram-se apaixonados (mais pela parte da irmã do que pelo irmão) e o espírito aventureiro dos dois os levam a uma tragédia final, que é a morte da irmã.
            Já na segunda história, mostra outro jovem bêbado com trajes largados, que monologando sobre sua vida e cotidiano, mostra ser cheio de vícios (drogas, álcool e mulheres). Ele tem um amigo, a travesti Ruffos, que de vez em quando o sacia da sua sede por boemia e desejos sexuais. Assim como a irmã da primeira história, ele tem seu final trágico: a morte por infarto.
            Na última e terceira história, mostra uma jovem doente, debilitada e depressiva. Em seus diálogos, percebe-se que ela tem vontade de morrer, porque a vida é um peso em suas costas. Ela usa branco, é pálida e cheia de enfermidades, onde mesmo mostrando-se debilitada, sua irmã (que por sinal parece ser bipolar e psicopata) a tortura mentalmente, desprezando-a e caçoando-a. Seu final, assim como os outros personagens, é a morte: a jovem se suicida por enforcamento.
            Em relação aos elementos cênicos, as roupas dos atores ficaram bem caracterizadas. Houve a troca delas em quase todas as cenas, o que enriqueceu a peça esteticamente. Assim também, a guitarra deu seu toque em toda a peça: seu efeito sonoro "pesado", fez com que as histórias contemporâneas ficassem ainda mais "vivas". Entretanto, a maquiagem deixou a desejar, pois para algumas   personagens, a maquiagem poderia ser  mais forte, pois a luz pesada e colorida a apagou.   Por fim, a encenação dos atores-atrizes, a técnica sonora e da luz, os elementos cênicos e o empenho do grupo construíram uma leitura cênica  criativa e forte, dando sentido e entendimento melhor do texto para os alunos espectadores. 





OS GERENTES: LOUCURA E (DES)ENCONTROS
André Oliveira[1]

“Pensando bem, foi uma loucura marcar este encontro”
Samir Yazbek

A leitura dramática da peça Os gerentes, de Samir Yazbek, foi realizada no dia 20 de maio de 2015, no auditório do Instituto de Letras, da Universidade de Brasília. O texto narra os desencontros de um casal de amantes que combina de se ver em um hotel afastado, vinte anos após a última vez em que estiveram juntos.
Com cenário composto por malas espalhadas pelo palco e tecidos brancos e pretos, a leitura explorou, em muitos sentidos, elementos com características opostas. O texto de Samir Yazbek dialoga com teatro do absurdo e o grupo trabalhou o estranhamento causado por um ator fazendo o papel da Mulher e duas atrizes no papel de Gerentes homens. A ideia era levantar a discussão do gênero e a identificação foi imediata graças ao abuso dos figurinos extravagantes e intencionalmente esquisitos, por exemplo: um dos personagens homens foi interpretado por uma atriz de trança e arranjo no cabelo.
A leitura foi realizada com o auxílio de diversos recursos a ponto de os atores quase não serem vistos com o texto nas mãos, além de alguns deles terem decorado trechos da obra. Esse trabalho concedeu muita liberdade e presença aos atores: sem o apoio do texto o tempo inteiro, foi exigido deles que estivessem bastante apropriados da sequência, além de poderem se dedicar à pesquisa da voz com partituras e intenções.
Na história, o Homem e a Mulher protagonizam desencontros - tão comuns à vida de duas pessoas que não conseguem ficar juntas – indo e vindo de hotel em hotel. O ambiente parece mais do que propicio para narrar a transitoriedade das relações. Parte do incômodo provocado na plateia surgiu da necessidade de torcer o pescoço para acompanhar cenas que surgiam no meio do público, onde o grupo adaptou duas recepções em que algumas cenas aconteciam. Um videoinstalação no início da montagem ampliou a espacialidade e as possibilidades imagéticas da plateia. 






[1] Aluno do oitavo período do curso de Letras: Língua portuguesa e suas Literaturas, da Universidade de Brasília



A Entrevista, de Samir Yazbek
Gabriela Studart

Como disse Glória Magalhães, uma das atrizes de "A Entrevista"-  texto que abriu o Quartas Dramáticas desse semestre- a peça foi encenada com o objetivo de ensino em mente, era para ser uma experiência educativa. Assim, uma peça que apresentava apenas dois personagens, o entrevistador e a escritora Lívia, foi encenada por cinco atrizes, criando a oportunidade de mais pessoas poderem ter a experiência de atuar no palco.
Três delas interpretavam Lívia Vasconcelos, uma escritora que, apesar de ser jovem, é muito bem-sucedida. Entendemos que ela não aparece na imprensa há algum tempo e tem dúvidas em relação à sua decisão de conceder essa entrevista. As outras duas atrizes  interpretaram o Entrevistador, que está substituindo o apresentador habitual do programa. E, no início, já  compreendemos que os dois personagens, entrevistador e escritora,  tiveram alguma relação no  passado.
Ao longo da entrevista, os personagens fazem reflexões em torno de vários assuntos- o propósito das obras de Lívia, seus temas, a reação dos leitores, o que falta na vida dela, como ela se sente estando em sua posição. Com o passar do tempo, as perguntas e os temas vão ficando cada vez mais pessoais. Vemos nos “intervalos comerciais” que isso incomoda Lívia, mas ela decide seguir firme com a entrevista.
Essa criação coletiva da peça atribuiu significados específicos ao jeito que cada atriz interpretava seu personagem. Por exemplo, uma das atrizes interpretava o Entrevistador nas horas em que ele se voltava para o público e a outra o interpretava em seus momentos mais particulares com a Escritora, criando uma contradição entre o personagem público e o privado.
A encenação deixou a peça mais interessante e ajudou a capturar a atenção do espectador. Uma história que corria o risco de se tornar monótona para o grande público se tornou intrigante graças a divisão dos personagens.
Tentei adivinhar como foi feita a divisão da Escritora; qual atriz ficou encarregada de demonstrar quais características, quais emoções da personagem. Também foi interessante notar as semelhanças que mantinham a unidade dos personagens na atuação, e a construção que as três fizeram para se tornar uma.


Apesar de ambos os personagens passarem toda a peça conversando um com o outro, alguns questionamentos persistiram: qual o tipo de relação que existiu entre eles? Por que se tratam assim? O que aconteceu no passado? Tudo isso incentiva o espectador a imaginar para tentar, se possível,  preencher as lacunas/vazios! 




A Entrevista, de Samir Yazbeck
Juliana Simões Souto Mayor

            A peça ‘’A Entrevista’’ de Samir Yazbek, apresentada no Quartas Dramáticas, no dia 13/05/2015, iniciou-se com a entrada de três atrizes, que se vestiam da mesma forma: calça e blusa pretas e um lenço estampado no pescoço. Entraram com cautela e deixaram um clima de  silêncio no ar enquanto olhavam a plateia, já presentes no palco. O clima contribuiu para prender a atenção do espectador que esperou ansiosamente pelo o que viria a acontecer, aumentando o mistério.
            Após início das falas, percebeu-se que se tratava da mesma personagem interpretada pelas três atrizes: a escritora Lívia. Tudo fez sentido: tanto o figurino quanto os movimentos sincronizados nas primeiras ações ao entrar em cena. Entretanto, com o desenrolar do enredo, as três acabaram atuando de formas muito diferentes, dificultando uma identificação mais clara em relação à escritora. Essa opção contribuiu para um desvio de construção mais una, tanto na visão de cada uma das atrizes, como na interpretação da personagem.
            Mais duas personagens estão presentes na cena: os entrevistadores. No princípio, fica confuso saber quem é o entrevistador. Com o dialogar se prolongando e com o clima de tensão criado nessa relação, fica mais nítido a pressão e exploração do entrevistador  sobre a escritora, que se sente muitas vezes ameaçada e sem saída. Nessa interação, foi muito interessante o modo como a cena se passou. Já que uma personagem era interpretada por mais de uma pessoa – a escritora por três atrizes, e o entrevistador por duas – foi bem explorado a forma que, enquanto uma atriz dizia o texto (leitura), a outra reagia através de linguagem não-verbal, expressando os sentimentos que estavam sendo transmitidos no momento.
            Chega-se então ao ponto crucial. Um texto teatral lido através de ações, ou seja, encenado, é bem mais atrativo, pois inclui mais elementos visuais e sonoros , o que reverbera nos sentidos humanos. Porém, o contrário não acontece com eficiência. Do ponto de vista cênico, o papel na mão para ser lido dificulta muito a ação e expressão dos sentimentos e compromete as reações emotivas das personagens.
Tendo em vista essa dificuldade, a peça teve uma ótima ‘’sacada’’ no revezamento entre as personagens: enquanto uma estava concentrada em ler e falar o texto, a outra expremia as reações e sentimentos, interagindo mais com a outra personagem na qual dialogava. Um exemplo pode ser citado quando o entrevistador lê o texto direcionado a plateia, e foca em quais tons de voz são mais apropriados para utilizar. Enquanto isso, o outro entrevistador está direcionado à outra personagem, e expressa-se com um olhar avaliador e até expansivo, cedendo espaço para que a escritora reaja de forma acanhada, enriquecendo a ação dramática.
Quanto à cenografia, a produção foi bem minimalista e simples, assim como a maquiagem feita com uma pasta branca no rosto de todas as atrizes e quiçá algumas sobrancelhas mais marcadas. A sonoplastia quando compôs a cena contribuiu muito com a narrativa.. Estes recursos cênicos poderiam ter sido mais explorados, para contribuir com a dinâmica da peça como um todo.
O início foi bom, o meio um pouco tediante e o final, ótimo. A soma de mais de uma atriz para cada personagem até contribuiu para o ritmo da peça, tirando a carga de conter falas muito extensas e apenas duas personagens. Contudo, os poucos deslocamentos e falta de maiores produções com cenografia, maquiagem, objetos de cena e sonoplastia fizeram com que encaminhamento do texto ficasse um pouco cansativo. Tudo se inverteu quando as personagens se deslocaram e formaram imagens que condiziam com o sentimento que retratavam. A coreografia imagética, os gestos corporais, formaram um incrível efeito que poderia ter sido mais explorado durante a peça, e não só no final dela.

            Por fim, o texto dramático aponta temas relevantes presentes em todas as épocas: os conflitos entre a vida pessoal e a  profissional; como lidar com o sucesso; a pressão e expectativa das pessoas em relação ao que você é e ao que você diz; o comportamento de si, a criação de uma identidade; os altos e baixos da vida e a inversão de papeis; a consciência das limitações e a forma de encarar a própria fragilidade; a efêmeridade e a superficialidade das coisas, das relações e da própria vida. Estas e outras reflexões podem ser extraídas do texto muito bem escrito por Samir Yazbek.



Dimensões invisíveis de um Rato no Muro


Francis Espíndola Borges – 10/0101755




            Hilda Hilst desenvolveu um estilo literário muito próprio: interior, simbólico, metafórico e até confuso, alguns diriam. Na verdade, é uma escrita que foge das  limitações normativas e referências contextuais, embora seja possível encontrá-las se nos determos na exploração metafórica de obra dramatúrgica.  Na peça “Rato no Muro”, por exemplo, observamos um cenário pouco elucidado, completamente simbólico, permeado por elementos específicos que compõe a obra, vivenciado por vozes de “irmãs”, criaturas muito próximas, mas muito distintas, que dialogam entre si e, exclusivamente pela palavra, expõe um segredo. Se quisermos forçar um contexto, entendemos que a atmosfera tensa e sofrida conduzida pela obra pressupõe uma repressão religiosa ou sexual, sofrida pelas irmãs da peça, encarceradas no interior de um lugar envolto por um muro invisível. Podemos encarar a obra como uma crítica à repressão sofrida pelas mulheres durante a ditadura militar e a esse período marcado por repressões e perseguições políticas.  Ao meu ver, a peça pode ser levada a um patamar muito mais profundo da existência humana, já que todos os elementos dela trazem uma abertura infinita de possíveis significados.


            Na montagem cênica assistida por nós, o que mais chamou a atenção foi o viés sexual pelo qual a peça foi conduzida, tanto da opressão religiosa, quanto da figura masculina, representada por “eles”, sempre presentes no discurso das irmãs, e pela Madre repressora, que aqui se tornou uma figura andrógina interpretada por um ator. Na peça, as personagens parecem desconhecer completamente seus corpos, assim como o muro e, portanto, apenas especulam acerca de si mesmas, de sua própria identidade. O “sangue” trazido por “eles”, ou correndo dentro delas mesmas, foi representado por um pano vermelho envolvendo a Madre, tornando-a mistificada, apenas um “ser”, também totalmente desconhecido.


            A interpretação das atrizes foi bastante intensa, suas falas eram bem marcadas pelo tom dilacerantes das vozes e pela expressão fácil, que construíam, junto com os elementos cênicos, uma atmosfera tensa. Achei que alguns momentos pediam menos gritos e mais sussurros, mas compreendi a tentativa de desenvolver a tensão explícita no texto. As imagens foram sobrepostas e cada elemento - cordas no pescoço envolvendo duas atrizes, madre em nível superior com uma espécie de manto vermelho,  – enriquece a encenação.

            Não se sabe muito bem qual o “enredo” do texto, nem ele existe.... Através da leitura cênica, fica evidente que o se instala é mesmo uma sensação, sensação de alguma coisa importante e secreta que acabou de acontecer e que não se sabe bem o que é. Essa peça de Hilda foi comparada com alguns textos do teatro do absurdo, que não pretendem expor um sentido ou buscar entendimento, mas provocar sensações e atuar através do icônico. Assim, trata-se de uma peça ampla, plurivocálica, de dimensões invisíveis, como o próprio muro que encarcera as irmãs, que é o limite da própria obra.




ENTRE GATOS E RATOS, O MURO

por Juliana Chrisóstomo de Almeida

Hilda Hilst foi uma poeta, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. É considerada pela crítica especializada como uma das maiores escritoras em Língua Portuguesa do século XX.
O Rato no Muro” é uma peça de Hilda Hilst rica em simbologias e de forte teor psicológico que trata substancialmente de freiras de uma capela que afirmam estar “presas”, isoladas do mundo através de um muro “intransponível”.Porém, a visão de um gato e, posteriormente, de um rato em cima desse muro mostra-lhes a possibilidade de irem além e aguça a inquietude delas, norteando o diálogo que compõe o enredo da peça. Os personagens de acordo com o texto são: a madre superiora, as irmãs A, B C, D, E, F, G, H, I, um suposto gato e um suposto rato, além de seres/estrangeiros que são citados na peça.
Trata-se de uma obra bastante associada à literatura fantástica, com elementos do Barroco e do Romantismo: morte, clausura, antíteses, metáforas, ambiente macabro, o dentro e o fora, ...Elementos do inconsciente, do imaginário aqui afloram: existe um muro que jamais se vê e que serve de obstáculo psicológico para as freiras não avançarem. Funciona como uma espécie de limitador.
A peça é constituída substancialmente por um diálogo entre as freiras em que elas comentam sobre a situação de clausura em que vivem e discutem se viram ou não o gato e o rato, e discutem a possibilidade de transpor o muro.
A leitura cênica, apresentada no V QUARTAS, foi dirigida por Francisco Alves que explorou bem o texto, concedendo-lhe toda a sua criatividade. O espetáculo teve início com as freiras proclamando e depois cantando uma oração de súplica para que todas as suas culpas fossem perdoadas. A bela voz de uma das personagens foi devidamente valorizada: a atriz se destacou cantando o trecho inicial da oração. Em seguida as demais freiras continuam cantando juntas, formando um coral. Constata-se, dessa forma, que, apesar do caráter dramático da peça, a direção do espetáculo encontrou uma oportunidade de inserir nele a musicalidade que, sem dúvida, constitui um elemento de intensa emotividade. Em alguns momentos ocorrem batuques para aguçar a tensão e em duas ocasiões os personagens sorriem.
O cenário descrito no texto mescla aspectos sombrios (fala sobre manchas negras, incêndio, chicote), e elementos religiosos (anjos, castiçais e cruz). É uma capela que parece remeter ao Barroco, pois associa esses elementos: sacros e profanos. Além disso, a cruz, o chicote e as manchas concedem ao cenário da obra um aspecto de flagelação. Na apresentação da peça, os elementos sombrios mantiveram-se presentes: o cenário era obscurecido e composto, em sua maioria, pela cor preta (traje das freiras e os panos que cobriam as paredes do fundo da sala). Houve, porém adição de criatividade na montagem: primeiro, a madre superiora foi interpretada por um homem que conseguiu dar o destaque que tal personagem exigia; segundo, as freiras aproveitaram seus trajes longos e escuros para se disporem no chão como se fossem caixões. Foi incrível! No começo do espetáculo não se sabia o que eram aqueles amontoados negros no chão.
Na abertura, há destaque também para a indicação do muro. A personagem que interpreta a irmã “G” se aproxima do público e solicita-lhe que não se aproximem até determinado limite, pois ali havia um muro. Ora, essa ação conseguiu inserir os espetatores no contexto, alertando-os sobre esse elemento chave e simbólico da peça.
A madre superiora, interpretada por um homem, usava um manto vermelho, diferenciando-se das demais freiras, que trajavam roupas negras. Esse manto vermelho também era usado para simular o muro e para simbolizar as manchas vermelhas sobre as quais as irmãs falavam. Elas tocavam esse pano como se estivessem pegando nas manchas. Já a madre superiora usa o manto como uma espécie de metamorfose: se posiciona formando uma cruz; se eleva como um Deus e também se movimenta insinuando os seres/estrangeiros sobre os quais tanto falam as freiras durante a peça.
Deduz-se que a autora não forneceu nomes próprios às freiras, talvez por ela almejar atingir um caráter universal, ou seja, não se trata da história de um grupo isolado, mas de pessoas como diversas outras vivenciando conflitos semelhantes. Essa intenção de Hilda pode ser constatada já na primeira fala das personagens em que todas as freiras juntas dizem: “Nós somos um. Nós somos apenas um. Um só rosto. Um.”.
O elemento“culpa” permeia toda a peça, constituindo uma crítica à igreja católica que durante séculos manteve seus seguidores às custas desse sentimento. É a culpa que faz com que o cristão sinta temor a Deus e não “peque”, isto é, não infrinja as regras da igreja. Além da culpa, o medo é um elemento que na encenação fica mais claro do que na simples leitura do texto. O desespero e o sombrio ficam evidentes através da maquiagem enegrecida em torno dos olhos das freiras e no tom de voz das personagens que é muito agudo durante todo o espetáculo.
A fala de cada irmã permite que o leitor as conheça. Não é à toa, por exemplo, que a irmã “A” possui olhos arregalados. Ela demonstra tamanha paixão pela luz e, ao longo da peça, mostra-se curiosa em saber das coisas. Os olhos arregalados e a paixão pela luz significam o desejo pelo conhecimento. A irmã “C” menciona durante todo o tempo a presença de manchas de sangue em seu corpo e o termo noite. O sangue simboliza a carne, a noite, a paixão. Ela parece desejar, sonhar com os prazeres do corpo e se culpa por isso. Suas falas a denunciam: “(...) quando eles vieram na noite, foi minha noite pior.”. “Aquela noite tudo em mim pedia complacência.”. A palavra“complacência” fisiologicamente diz respeito à capacidade de distensão de certas estruturas elásticas como os vasos sanguíneos, o coração, ou seja, sensações que são intensificadas com o ato sexual. No espetáculo, as irmãs “A”e “C” são interpretadas por uma mesma atriz que as fez com maestria. A irmã “A”era gaga, o que marcou a diferença da irmã “C”, mas também se adequou à sua personalidade: extremamente entusiasmada a ponto de “engolir” as palavras.
O comportamento que caracteriza a irmã “G” (comilona e a mais velha do grupo) pode seer uma estratégia da autora para causar o efeito de distanciamento, ou seja, afastar um pouco o leitor do clima de tensão causado pela trama para que ele possa refletir mais racionalmente. Enquanto as outras freiras discutem questões relativamente relevantes como: se seria ou não possível transpor o muro; a morte do gato, a presença dos seres inexplicáveis, a irmã “G” interrompe constantemente o diálogo delas pedindo algo para comer. Essas interrupções constantes são responsáveis pelo efeito do distanciamento. O papel dessa personagem foi o melhor! A atriz usava uma fala forte, onde mesmo desesperada por comida, demonstrava a segurança que sua maturidade adquirira ao longo dos anos que esteve naquele lugar. Ela se movia corcundamente para aguçar a aparência de sua idade já avançada.
A irmã “D” é aquela que apoia a madre superiora, ou seja, aquela que exerce um comportamento típico daquelas pessoas que almejam obter algo se aliando ao inimigo. É ela quem mata o gato. Já a irmã “I” é extremamente descrente quanto à possibilidade de serem livres: “Mas você não poderá sair daqui. Nem eu. Há o muro.”. E tenta se justificar com o voto que fez: “Ainda que haja uma só criatura, devemos ficar e orar por ela. Não fizemos o nosso voto (...).”. Apesar da curta participação do seu papel, a atriz o fez bem, usou um tom de voz sarcástico, como se fosse uma bruxa.
A irmã “B” é quem planta os girassóis. A presença do girassol na obra instiga-nos sobre o significado que ele carrega. Talvez a simbologia seja porque, assim como o girassol precisa ter sua corola voltada para o sol, do nascente ao poente, segundo os cristãos, os seres humanos devem estar voltados para o Sol garantindo a luz e a felicidade. É em nome dessa felicidade que a irmã “B” insiste para a que madre a permita continuar semeando. A semente também simboliza a busca pela vida. A atriz que interpretou a irmã “B” tinha olhos muito claros e bonitos. Além da sua boa atuação, parece que ela foi escolhida para que fosse associado o girassol aos seus olhos.
Há no texto as irmãs “E” e“F”, mas talvez por elas não possuírem muitas falas, as mesmas foram ocultadas da apresentação.
É interessante que o muro só é visto, quando as irmãs estão em leitura (provavelmente a bíblia), situação que as fazem relembrar de como devem ser e se comportar.
A sátira aqui é evidente: a Irmã “A” informa que pecou por ter se alegrado em ver o sol; a irmã“E”, por não ter dado seu pão e leite, já que não encontrara a quem dar, e a irmã “D” disse pecar por querer comer o tempo todo. Mesmo a irmã “H” que afirma não ter culpa é instigada pela madre superiora a relatar algum pecado. A culpa é como uma algema, como correntes, que limita as freiras verem além de um muro.
De qualquer forma, é evidente a crítica à religião e a seus preceitos. É como se o sacerdócio a que as freiras se submeteram fosse uma espécie de “prisão” psicológica para afastá-las do mundo (do casamento, dos filhos). E é por isso que em tantos momentos na peça, elas se mostram curiosas em conhecer o que tem além do muro, o que tem além do sacerdócio. Isso é suficiente para a peça ter sido censurada na época. O desejo de fuga das freiras pode ser constatado nas falas da irmã “H”: “(...). Vem comigo, por favor. Vamos embora”. “Tenho certeza que nós arranjaremos uma saída”. Mas a incerteza e o medo retomam o ambiente, como é expresso na fala da irmã “I”: “Uma saída? Você sabe que é impossível, você sabe que quem toma do muro é a madre”.
As duas irmãs de sangue “H” e “I”aparecem na peça amarradas por uma corda, o que também foi bastante criativo por parte da direção. Ressalta-se, porém, que a irmã “H” era aquela mais corajosa e que mais parecia desejar sair do lugar. Sua irmã “I” mantinha-se temerosa. O papel de ambas foi muito bom. Quando uma tentava sair do lugar a outra era obrigada a se mover junto, devido à presença da corda em seus pescoços. Isso destacou visualmente a oposição entre as duas.
A peça possui explora simbologias de difícil dedução, mas que possibilitam o levantamento de algumas hipóteses: o gato e o rato constituem uma metáfora: o gato é a madre superiora que vigia o muro e que se for morta possibilitará que as freiras (os ratos) consigam passar do muro e sair daquele lugar. Essa dedução é viável devido à seguinte fala da madre superiora ao repreender a irmã “H” : “O rato é você que deseja subir e ver.”. É interessante que a irmã “D”, aliada à madre, mata o gato. Ora, esse gato pode simbolizar a madre superiora, morto pela irmã “D”, que se fazendo de aliada, lhe “dá o bote”. Quanto aos “seres”,podem simplesmente se tratar das outras pessoas que não vivem presas como elas, são livres. Essa prisão psicológica nos lembra bastante o conhecido “mito da caverna”.
Ao final da peça, as freiras ficam em uma posição de dúvida entre a pressão psicológica exercida pela madre superiora para mantê-las enclausuradas (mal) e o esforço da irmã “H” em libertá-las (bem). Esse conflito entre bem e mal tem caráter universal e, muitas vezes, é representado por um homem situado entre um “anjo” e um “demônio”. Na peça, Hilda opta por manter esse conflito em evidência deixando as freiras em posição de dúvida sobre para qual lado pender. No espetáculo, esse final é muito bem elaborado! Parte do manto que cobre a madre superiora é usado por duas irmãs para simular o muro. As irmãs o balançam, as outras se agacham, o personagem que faz a madre superiora é despido e sai de cena. O cenário é então escurecido completamente indicando o fim da peça.
Um Rato no Muro” constitui, portanto, um excelente trabalho da autora, que soube conceder grande estética ao texto ao metaforizar um tema universal: a limitação psicológica do ser humano. O fato de as informações serem apresentadas de forma extremamente simbólica tem um objetivo claro: transmitir a mensagem de que todo ser humano se depara com barreiras (muro) que o impede de evoluir, de conhecer novos horizontes, e ele também se depara com pessoas (madre superiora) que o desestimula a alcançar seus anseios. Porém, tanto as barreiras como essas pessoas que em nada ajudam, podem e devem ser superadas.
O espetáculo – leitura cênica - utilizou excelentes recursos: direção, corpo de atores, iluminação, figurino, e conseguiu expor e mostrar bem todas essas questões abstratas e reais construídas por Hilda.
QUEM DISSE QUE NÃO

Liana Guterman 09/0138554

“Será que vou conseguir?”. Essa é a pergunta que me fiz bem no início, logo após o primeiro grito. E a pergunta foi crescendo dentro de mim após selecionados os marcados, os escolhidos.
Peças interativas: não me apetecem. E foi nessa angústia que continuei assistindo a peça até o final.
O ensaio final da peça “Quem disse que não” começou já nos confundindo o que era real e o que era imaginário. Sem seguir uma linha cronológica ou uma lógica de pensamento, pequenas histórias de traumas, desejos, desafetos, medos e decepções foram se construindo uma após a outra.
Entramos no “teatro” já dentro da peça. Os escolhidos foram encaminhados para bancos separados à nossa frente. Personagens começaram a falar. Sabíamos que eram personagens, pois eram os únicos que falavam. E falavam de vários lugares diferentes: à minha frente, à minha direita, esquerda, atrás de
mim. Uma personagem estava sentada atrás de mim contando seu medo, sua agonia, opiniões que normalmente não expressamos por medo ou por um bom convívio pessoal. Mas lá estava ela, atrás de mim como se fosse mais uma espectadora. Ou como se eu fosse só mais uma personagem daquela sala de ensaio cheia de personagens.
Parecia uma multiplicidade de consciências, uma mistura de medos nossos e dos outros se entrelaçando - uma mistura também de uma enorme quantidade efeitos de cena bem conhecidos por assíduos de teatro, alguns desses deveras apelativos; outros, hipnotizantes. A peça se seguiu com todas essas pequenas histórias se entrelaçando, como se eu estivesse insistentemente trocando o canal da televisão.
Sem nenhuma ordem. Ora, conclui: pensamentos não seguem uma linha de raciocínio e tampouco seguia a peça.
Os gritos continuavam e ecoavam mais alto. Agora minha pergunta havia passado para a boca dos personagens. Será que vou conseguir? Essa angústia e mais medos: da rejeição, medo do amor, medo da morte, medo da vida, medo do tempo... Mais gritos, intimamente indagando sua capacidade, emoções que não conseguimos controlar no inconsciente, mas que em geral não existem no mundo externo. Trata-se de críticas partindo do indivíduo para o ser em sociedade. Por que ele ou ela se expressa em pensamento, mas não traduz tal para sua língua?
A peça mostrava essa sociedade expressiva, onde todas as emoções são expostas: nos personagens, nos sons, nos nossos assentos se mexendo como um brinquedo virtual do parque de diversões, mas não era virtual. Gritos e mais gritos de “Quero ser real! Quero ser real!” para um público que desde Brecht não era para ser. Não havia pausas. Não havia separação, elucidação do que era real e do que não era. Eram corpos muito próximos do público, de nós, desde o início. Eram somente um de nós.
E se o objetivo era ficarmos mais próximo dos nossos medos e angústias, a peça em mim alcançou o seu maior grau: trouxe à tona uma fobia escondida e ignorada por anos. Junto dela, o individualismo, o medo e ignorar tudo à volta. Meu medo era mais importante que o do próximo. O meu medo era mais importante que o próximo. E assim, na nossa sociedade, acumulamos medos não expressados que nos transformam em frios, em estranhos e excluídos. E é exatamente nisso que reside o individualismo: no meu eu, no meu íntimo, muito bem separado do seu, do dele, de todos. Os mesmos medos que nos tornam nós mesmos, que nos identificam como seres humanos, são os que nos individualizam. Ao mesmo tempo nos fazem uma pessoa singular e só.
O paradoxo aqui é o da individualidade ser uma coisa que nos identifica como únicos, singulares (numa sociedade onde ser diferente é ser cool) e que nos exclui e nos torna solitários. E “Quem disse que não” é real esse paradoxo, esses medos e esses desejos íntimos? Só porque não são expressados, não significa que não existem. Foi o que nos mostraram durante cerca de uma hora e meia: emoções reais - assim como a minha agonia que perdurou por cerca de um dia.

Quem disse que não (texto e peça de criação coletiva)
Resenhado por: Alice Carvalho Diniz Leite*

            O texto teatral Quem disse que não é uma criação coletiva de um grupo de alunos de Artes Cênicas da Universidade de Brasília, feita sob a coordenação dos professores Alice Stefânia e Marcus Mota. A peça foi apresentada no projeto de extensão Quartas Dramáticas, da UnB, a partir de um ensaio aberto realizado na última quarta-feira, dia 13 de junho de 2012. A encenação foi feita a partir de várias cenas curtas, que não apresentavam uma única história, mas várias histórias independentes umas das outras, que abordavam temas bastante intrigantes, como o abuso sexual e a sociedade de consumo.
A primeira cena da peça foi realizada na entrada do local de apresentação, onde os espectadores formavam uma fila. Nesse momento, uma das atrizes convidava alguns espectadores a organizarem uma nova fila, como se parte do público integrasse um grupo de pessoas escolhidas para assistir à encenação. Depois, quando todos os espectadores entraram no local de apresentação, vários atores se encontravam sentados na platéia e cada um deles falou uma frase, como se fossem reclamações sobre suas vidas cotidianas. Assim, os atores davam pistas de quais seriam os temas bordados no decorrer da encenação.
            Quanto ao tema abuso sexual, são duas as cenas mais marcantes. A primeira delas se tratava de uma personagem que tinha seu corpo tocado por quatro homens, enquanto ela pronunciava palavras em alemão. Apesar de grande parte do público não compreender exatamente o que a personagem estava falando, foi possível perceber que ela estava sendo agredida sexualmente. Isso porque a atriz que interpretava essa personagem produzia gestos, expressões e alterações de voz que permitiam ao público entender que o ato daqueles quatro homens era realizado de uma forma agressiva e até mesmo violenta.
A segunda cena, interpretada por outra atriz, apresentava uma bailarina que dançava conforme o ritmo, acelerado ou desacelerado, tocado por um dos atores. A bailarina parecia ser obrigada a acompanhar a inconstância da música e, no momento em que ela não conseguiu realizar esse feito, o personagem que produzia o som agrediu a bailarina, tocando seu corpo. Mais uma vez, o público acompanhou uma cena em que uma personagem era agredida sexualmente, sem que existisse qualquer fala, mas com gestos e expressões que denunciavam seu sofrimento.
            Quanto ao tema sociedade de consumo, há também duas cenas que foram bastante representativas. Em uma delas, duas atrizes apareciam no tablado com um carrinho de compras, cheio de produtos voltados para a higiene pessoal, como enxaguante bucal e xampu, e a vaidade, como creme anti-rugas. Uma delas cantou uma música americana enquanto a outra organizava os materiais em cima de uma toalha. Quando a música terminou, ambas as personagens começaram a usar aqueles produtos, afirmando que eles eram bons para os cabelos e para as demais partes do corpo. Todavia, essa cena foi realizada de uma forma bastante caricatural, em que as personagens tomavam xampu e riam escandalosamente. Assim, o público, ao mesmo tempo chocado e com vontade de rir, entendeu que o objetivo daquela cena era criticar o que as pessoas são capazes de fazer para não envelhecer.
            A outra cena, representativa da sociedade de consumo, foi a de três personagens que tentavam desembaraçar o cabelo de uma das atrizes. As quatro personagens que estavam em cena tinham cabelos crespos, contrastando com o padrão buscado por grande parte das mulheres, o de ter cabelos lisos. Nessa cena, uma das atrizes dizia que bonito era ter cabelo liso e arrumado, destacando o cabelo da personagem que tinha o cabelo difícil de desembaraçar, como aquele que jamais seria apresentável. Dessa forma, foi realizada uma crítica a necessidade que muitas pessoas tem de obrigar seu cabelo a ficar liso, quando, na verdade, bonito sãos os cabelos naturais, que emolduram os rostos tanto de mulheres quanto de homens.
            A peça Quem disse que não teve a presença de cenas bastante criativas, que exigiam a atenção do público para que elas fossem interpretadas da maneira imaginada pelos atores, que foram os principais produtores do texto. As melhores cenas foram aqui destacadas, sendo aquelas que denunciavam a violência sexual e aquelas que criticavam a sociedade de consumo, tratando-se de temas bastante atuais. Como a peça ainda se encontra em fase de processo, é importante que essa resenha faça uma sugestão. Isso porque encenação, por ter várias cenas independentes, exigindo constante atenção dos espectadores, foi bastante longa, tendo uma hora e quarenta minutos de duração. Dessa forma, seria fundamental ou dar ao público um momento de intervalo, para que fosse possível descansar e até mesmo comentar as cenas apresentadas, ou diminuir o tempo de duração da peça. Por fim, é importante ainda evidenciar que Quem disse que não é um trabalho que procura causar no público sensações de desconforto que levam à reflexão  sobre as críticas levantadas, sendo o espetáculo de grande valia para aqueles que o presenciam.
*Aluna de licenciatura em Letras Português da Universidade de Brasília (UnB).



A Maldição do Vale Negro: exagero satisfatório
Laura Garcia Dias – 09/11763
 
Esta resenha tem por objeto a leitura cênica da peça A maldição do Vale Negro, dirigida por Francisco Alves Gomes. Pelo fato de a peça se tratar de uma sátira ao melodrama, já era esperado que a direção optasse por uma abordagem cômica e caricaturizada. A peça escrita por Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes leva o romance ao seu extremo, exagerando em todos os elementos que compõem esse gênero. Tudo é potencializado: a vilania de Agatha, a meiguice de Rosalinda, os maus tratos sofridos por Úrsula, a “sorte” do encontro de Rosalinda com os ciganos e da descoberta do fato de Vassili ser seu pai, o quarteto amoroso Conde-ama-Jezebel-que-ama-Vassili-que-ama-Úrsula, o final com a morte dos vilões (a confissão do amor do Conde por Jezebel e sua redenção na hora da morte), a brutalidade do fim de Agatha, com a cura da cegueira de Vassili, com o arrependimento de Rafael e com a resolução de “felizes para sempre” para todos os considerados “bons” na trama.
A direção de Francisco Alves conseguiu transformar esse exagero em comédia e o resultado foi absolutamente satisfatório. O uso do erotismo na relação entre a meiga Rosalinda e seu padrinho, a figura caricata de Agatha, corcunda, ranzinza e medonha, o jeito afetado de Rosalinda de meiguice extrema (até nauseante), andando na ponta dos pés e piscando os olhos a todo momento, o “What the fuck” de Vassili (sensacional essa cena), a loucura exagerada de Úrsula. O início com o calçar dos All Stars pelos atores sugere uma “entrada do universo da peça”. O cenário composto pelos sapatos e as músicas escolhidas a dedo compuseram o cenário descontraído e satírico, descompromissado. 

A Maldição do Vale Negro, de Caio Fernando Abreu
Alice Carvalho Diniz Leite*

            O projeto de extensão Quartas Dramáticas, da Universidade de Brasília, apresentou nessa última quarta-feira, dia 27 de junho de 2012, uma leitura cênica de A Maldição do Vale Negro, de Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes.
O espetáculo dirigido por Francisco Alves Gomes explorou, principalmente, elementos do gênero melodramático, como o mistério, o sentimentalismo e o suspense. Também foram utilizadas músicas e símbolos, que se mostraram importantes para expressar os sentimentos presentes tanto em pequenas cenas, quanto no espetáculo como um todo. O cenário foi construído com um fundo preto contendo diversos sapatos, de variados tipos, pendurados por barbantes. De forma geral, o texto que oscilava entre a comédia e a tragédia, foi apresentado enfatizando os aspectos cômicos, divertindo o público presente.
Na primeira cena, todos os atores que faziam parte da apresentação entraram no palco ao som de uma música bastante animada. Todos eles calçavam tênis da marca All Star, o que permitia mostrar pelo menos uma característica em comum a todos os personagens: todos eram estrelas, independentemente das classes sociais a que pertencessem no contexto da peça. Esta também foi uma forma de homenagear os integrantes da leitura cênica, que sendo atores profissionais ou não, todos brilharam durante o espetáculo.
Na encenação, Rosalinda, protagonista do melodrama, era uma menina exageradamente doce e meiga que dançava e cantava a todo instante. Esta personagem, que por vezes parecia ser ingênua, olhava de maneira bastante insinuante para Rafael, seu par. Em uma das cenas mais marcantes da dupla, Rosalinda estendeu no palco uma grande carta que havia escrito para seu amado, em que ela declarava toda sua paixão e revelava sua gravidez. Rafael, ao receber essa notícia, ficou surpreso e sua primeira reação foi rejeitar a menina. Em seguida, os dois personagens realizaram uma breve cantoria, em que expressavam seus sentimentos. O canto de Rosalinda foi bastante significativo, principalmente por suas alterações de humor. No início, a menina cantava com muita alegria, evidenciando que ela estava muito feliz por estar grávida e pela possibilidade de se casar com Rafael. Após ser rejeitada por seu amado, o canto de Rosalinda se tornou triste e foi carregado por seu choro.
Rosalinda era afilhada do conde Maurício de Belmont, um homem que carregava vícios e virtudes, como é típico dos personagens de melodramas. Na visão da menina, seu padrinho era um fidalgo nobre e justo, admirado por todos os camponeses de sua região. Em contrapartida, Rafael, por conhecer o passado do conde, sabia que Maurício fora um homem viciado em jogos, que gostava muito da vida noturna.
Durante a apresentação, o conde Maurício estava bastante doente, quase no fim de sua vida. Por causa disso, ele recebeu uma visita da Morte que jogou contra ele uma partida de xadrez com a intenção de tirá-lo da vida, numa referência ao filme clássico O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman.
O conde havia guardado em seu passado muitos segredos, que envolviam as origens de Rosalinda e os mistérios da maldição do vale negro. Ao saber que sua afilhada estava grávida de um de seus maiores desafetos, Maurício decidiu expulsar a menina de sua propriedade, em uma cena carregada de sofrimento. 
Nas cenas finais do espetáculo, Rosalinda andou por todo espaço cênico, seguindo o som de um violino, na tentativa de encontrar seu destino. Durante sua busca, a menina encontrou em seu caminho os ciganos Jezebel e Vassili, que a ajudaram a desvendar os mistérios de seu passado. Isso porque havia uma ligação entre o passado de Rosalinda e o de Vassili, que era um personagem cego. Durante a peça, o cigano carregava uma bandeja cor de prata, representando seus olhos, que nada viam. Quando as origens de Rosalinda foram reveladas, Vassili voltou a enxergar numa cena em que ele, simbolicamente, comia seus próprios olhos. Como é característico do gênero melodramático, os personagens tiveram um final feliz, após sofrerem durante grande parte da encenação.
            A leitura cênica de A Maldição do Vale Negro se revelou muito criativa e instigante, com a utilização de músicas que evidenciaram o clima das cenas, principalmente nos momentos de descontração. Os símbolos presentes trouxeram referências da atualidade para um espetáculo ambientado no século XIX, o que tornou a apresentação mais próxima dos espectadores. Além disso, contribuiu muito para o sucesso do espetáculo, o ótimo entrosamento dos participantes, que não apenas atuavam, mas também se divertiam ao construir seus personagens.
*Aluna do curso do curso de Licenciatura em Letras Português, pela Universidade de Brasília (UnB).

Referências bibliográficas:
ABREU, Caio Fernando. A Maldição do Vale Negro. In: NUNES, Artur Luís, BREDA, Marcos. Teatro Completo. Rio de Janeiro: Agir, 2009.
<http://www.infoescola.com/teatro/melodrama/>. Acesso em 2 de julho de 2012, 11:50.









AS CIDADES INVISÍVEIS, de Renata Pallottini 


O poder da imaginação através da palavra

Eduardo Stefano A. Martello

            Na última leitura cênica apresentada pelo projeto Quartas Dramáticas, tivemos o prazer de nos deparar com a beleza da linguagem poética criada pelo texto “As Cidades Invisíveis.” A peça foi coordenada pelo professor Augusto Rodrigues, que também atuou contracenando com Francisco Alves Gomes, seu orientando no mestrado, ambos membros do grupo de pesquisa responsável pela montagem das peças neste projeto, o Grupo de Estudos em Dramaturgia e Crítica Teatral (GDCT). O texto utilizado na peça foi “As cidades Invisíveis” de Renata Pallottini, uma adaptação teatral do romance homônimo do italiano Ítalo Calvino.
            No romance original, Calvino fecunda a imaginação e o imaginável através da descrição de cidades dada pelo explorador Marco Pólo. O livro se passa por meio de um diálogo entre Marco Pólo e Kublai Kahn, imperador mongol dominante de uma vasta extensão territorial, mas com pouca experiência fora deste reino. Marco Pólo usa uma linguagem densamente poética para a descrição das cidades com a utilização de carregadas definições conotativas. Por conta disso, Kublai Khan entende as descrições a sua maneira, deixando o leitor com a sensação de que os personagens muita das vezes então dialogando em línguas diferentes. Os conceitos elaborados tornam-se símbolos complexos e inesgotáveis da existência humana através de seus capítulos: cidades e a memória, as cidades e o desejo, as cidades e os símbolos, as cidades delgadas, as cidades e as trocas e, outras cidades. Como um dos principais escritores do século XX, Calvino denúncia em sua obra a fragilidade da existência humana no mundo pós-moderno através da conceitualização cosmopolita de cidades invisíveis como comunidades imaginadas.
            Ao traduzir e adaptar o texto para o teatro, Renata Pallottini fez mudanças interessantes que incorporaram ainda mais o universo imaginário. Enquanto o texto original traz à discussão dois personagens históricos em um diálogo ambientado em Veneza, Pallottini idealiza o encontro entre dois moradores de rua da cidade de São Paulo que se imaginam ser estes personagens. Desse modo, a dramaturga extrapola ainda mais a subjetividade e cria mais um fomento a imaginação.
            No texto, Marco Pólo apenas utiliza em suas descrições cidades com nomes femininos. Pallottini explorou esse ensejo para acrescentar em sua adaptação o tom sexual que falta ao livro. Em várias passagens, o Maltrapilho 2, Marco Pólo, deixa claro seu desejo de possuir uma mulher. O mesmo tom sexual é adicionado em várias outras passagens, como, por exemplo, na referência do Maltrapilho 1, Kublai Khan, aos travestis de São Paulo.
Outra contribuição de Renata foi a inclusão de problemas urbanos vividos pela cidade de São Paulo, desde sociais a estruturais. Em uma fala de Maltrapilho 1/KK, a dramaturga faz inclusive uma possível alusão às enchentes de São Paulo: Pois em minha cidade as velhas são arrastadas pelas águas das tempestades. Outro ponto interessante a ser extraído da adaptação da dramaturga é uma, também possível, referência à cidade Brasília com seus palácios sustentados as margens de espelhos d’água:
         
Maltrapilho 2/MP: Quero te contar agora de uma cidade que foi construída à beira de um lago, com varandas sobrepostas e ruas suspensas sobre a água. E assim, quando um viajante chega, se depara com duas cidades: uma perpendicular sobre o lago e a outra refletida de cabeça para baixo. Nada existe nem acontece na primeira cidade sem que se repita na segunda. Os habitantes sabem que seus atos são, simultaneamente, aquele ato e a sua imagem refletida no espelho de água.
           Maltrapilho 1/KK: E a intimidade, a privacidade?
           Maltrapilho 2/MP: Nenhuma, senhor, eles nem a querem. Quando os amantes com seus corpos nus rolam, pela contra pele, à procura da posição mais prazerosa, quando assassinos enfiam a faca nas veias escuras do pescoço de alguém, quando fechados em suas plenárias os políticos fazem belos discursos, o que importa não é o amor, a morte ou o bem comum, mas suas imagens frias e límpidas, impressas no lago.
           Maltrapilho 1/KK: E amanhã?
           Maltrapilho 2/MP: Que se foda o amanhã...

Essa passagem, que foi encenada com louvor na última quarta, no texto original de Calvino seria uma descrição de Veneza, com bancadas construídas a refletir nas águas da cidade. No entanto, de maneira brilhante, Pallottini traz a descrição à realidade brasileira, acusando a displicência que levamos da política e dos problemas sociais. A autora, trazendo a discussão até os atos políticos, quis deixar claro a pouca importância que damos e a falta de reflexão sobre os nossos atos na sociedade.
Em suma, a adaptação de Renata Pallottini trouxe a peça novas releituras e o ressurgimento do texto original de Calvino como uma possibilidade de enxergar as cidades, assim como nossos sonhos, como construções derivadas de desejos e medos.
            Na exposição apresentada pelo projeto Quartas Dramáticas, a peça teve uma excelente montagem e contou ainda com uma ótima composição do cenário, do figurino, da maquiagem e da afinada sintonia na atuação das personagens. Tanto o professor Augusto quanto o mestrando Francisco elevaram o nível da peça a cunho profissional podendo nos agraciar com a leitura desse belo texto. O fato dos atores já serem velhos conhecidos tornou a encenação mais natural e prazerosa de ser ouvida.
            Com atuações impecáveis, os dois atores trouxeram ao palco a sensibilidade exigida pelo texto. As entonações nos momentos certos, os duetos e os gestos fizeram com que a peça tivesse um elevado nível de dramaturgia.
            O projeto Quartas Dramáticas tem mostrado a Universidade de Brasília a importância do trabalho e da dedicação de professores e alunos na superação de velhos problemas, como a falta de recursos, por exemplo. A peça veio ainda enfatizar a importância deste projeto. Em um país com baixo índice de leitura, o contato de alunos com obras clássicas nacionais e internacionais, tanto da literatura quanto do teatro, tem dado ao projeto grande retorno.


“Tananteia... Ela Existe?”
“Tanto quanto existem ou não existem todas as outras cidades...”.

Apresentada na última quarta-feira no Quartas Dramáticas, a adaptação da obra homônima de Ítalo Calvino por Renata Pallottini nos remete à idealização das cidades. No texto, dois maltrapilhos conversam entre si, imaginando-se personagens históricos: um viajante veneziano – Marco Polo – e um imperador mongol – Kublai Khan. Em cena, temos caixotes cobertos por panos brancos e roupas esfarrapadas, que remetem aos becos e às vestes dos habitantes de rua.
É em Veneza que se passa a história real, mas no plano da imaginação dos dois, tudo acontece em algum lugar do império de Kublai Khan e Veneza é apenas de onde vem Marco Polo. Eles conversam sobre as cidades, interpretam e reinventam-nas, mas como Marco Polo diz: toda vez que descreve uma cidade, diz algo sobre Veneza. Enquanto conversam, eles descrevem tudo: as ruas, os prédios, as pessoas e como se movem, os sonhos, o medo, a liberdade. Discutem o medo das pessoas, que andam olhando pelos ombros, com medo dos malfeitores, com medo de perder o bem mais precioso que é a vida. Discutem as relações que se fazem entre as medidas da cidade, os metros, os saltos, e as memórias, a emoção, o peso que lhes é atribuído nas diferentes situações e locais. Remetem à alcunha de “cidade dos amantes”, atribuída a Veneza, onde os enamorados não fazem questão de se esconder, de ter intimidade ou privacidade, pois tudo o que importa é a imagem refletida no espelho d’água. Falam sobre a farsa que é a cidade, e a vida, em que os próprios atores – os habitantes – nem sequer percebem o teatro em que vivem.
Os dois maltrapilhos buscam entender as relações entre os habitantes e os espaços. Falam da cidade real, não da invisível. Os espaços reais e imaginários se misturam. No entanto Kublai é quem dá um tom mais realista quando fala. Ele fala dos problemas da cidade, vê as coisas com mais pessimismo. Enquanto Marco descreve de forma mais idealizada, reinterpretando o que tem à sua frente.
Em sua interpretação no Quartas Dramáticas, os dois atores, muito empolgados e com excelentes expressões corporais e impostação de voz, exploram o palco como manda o texto de Pallottini, onde está descrito de forma ampla como deve ser performada cada ação. O enquadramento das cenas, impecável, sempre com boa visualização dos dois atores, que costumam ficar num mesmo plano ou em alturas diferentes. E o cenário, simples. Todos os elementos de chão estão cobertos por panos brancos, que deixam ver apenas sua silhueta e lançam mão da imaginação do espectador enquanto descobre a farsa.

Por Nicole Matsunaga Menezes (10/0018645)


Os invisíveis na cidade
Camila Otim
“A cidade de quem passa sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais dali; uma é a cidade à qual se chega pela primeira vez, outra é a que se abandona para nunca mais retornar; cada uma merece um nome diferente.”[1] Dorotéia, Zaíra, Valdrada, Sofrônia, Irene, Veneza, Brasília.

Em meio ao discurso das cidades dois mendigos adotam novas identidades: do viajante veneziano Marco Polo e do imperador mongol Kublai Khan. Dois invisíveis se fazem notar através de um diálogo que evidência o lado das cidades que a olho nu é invisível. A adaptação do livro homônimo de Italo Calvino feita por Renata Pallottini; dramaturga, ensaísta, poeta e tradutora; traz uma discussão filosófica e aponta falhas, hipocrisias que se vivem nas cidades, além das belezas e romantismos que cada uma contém.
A leitura encenada contemplou a complexidade das emoções que perpassam o diálogo entre Khan e Marco, a performance de ambos os atores levaram o público da doce admiração das cidades inventadas às emoções mais violentas como a briga entre os amigos.
O cenário pobre de detalhes (a realidade dos mendigos pede essa simplicidade), porém carregado de significação coloca o espectador a par da vida que aqueles homens tinham e ao mesmo tempo é um convite para imaginar junto com eles o palácio e o império do grande Khan. O figurino e a maquiagem, em contra posição ao cenário, introduzem o público no plano da imaginação.
Esses invisíveis, que ao final deixam claro que não estão inseridos na sociedade e suas festas, apresentam cidades que discursam seja através de sua arquitetura, de suas ausências, de seus habitantes, de seus nomes, cidades que falam e são ouvidas por aqueles que a vem de fora, ou ainda pode ser que seja uma cidade apenas, como o próprio Marco Polo disse ser possível que ele fale sempre de Veneza, uma única cidade vista de várias perspectivas batizada de diversos nomes.
O jogo entre realidade/imaginação, loucura/lucidez, mendigos/personagens históricos, beleza/maldade, prende a atenção e faz ressoar questões que as cidades despertam como a da cidade de atores que atuam sem saber e que se renova para que o espetáculo não tenha


[1] As Cidades Invisíveis- Ítalo Calvino


O VISITANTE, de Hilda Hilst 


 Uma viagem teatral  ao fantástico universo do lirismo poético
Zildenor Ferreira Dourado 

O lirismo da linguagem poética e a emoção do teatro, num só espetáculo, garantiram à peça “O visitante”, de  Hilda Hist,  uma  interpretação interessante  no palco improvisado do anfiteatro 9, da UnB, na última quarta-feira, nesta edição do projeto cultural “Quartas Dramáticas”.
No drama singular intenso criado por aquela brilhante escritora brasileira, pouco conhecida pelo grande público,  mas venerada pelos críticos literários, há pouca ação e muitos conflitos psicológicos entre os quatro  personagens, envolventes e misteriosos.
Os variados recursos estilísticos da poesia sedutora histiana, instigante por suas construções metafóricas, imagéticas, destacam-se como um dos pontos fortes do roteiro,  possibilitando aos espectadores a fruição de um texto carregado de  subjetividade e traços do simbolismo literário.
Mas é preciso, contudo, muita concentração por parte do público para distinguir as variações rítmicas do texto poético de Hist. As falas dos personagens são apresentadas em estrofes bem construídas, com aliterações, assonâncias, rimas internas e alternadas, que provocam uma musicalidade marcante. São detalhes que podem passar despercebidos por espectadores menos comprometidos com as nuances da acurada produção poética e teatral.
Vale a pena destacar, por exemplo, o efeito sonoro sedutor das repetições de verbos na primeira pessoa, expressando a expressa emotividade lírica da personagem,  como no trecho:  “Tenho no peito um amor. Tenho nas mãos uma flor/ Vou caminhando/ E nunca chegando/ Nunca chegando.”   E ainda: Quem te ouve falar?Pensa que quando entramos no quarto? Somos um. E estás mais longe de mim/ Do que o céu e o mar!”.  Profundo e belo.
 A leitura do texto original escrito permite assim uma melhor compreensão dos jogos de palavras entre os personagens, em seus diálogos tensos, do que permite uma leitura cênica rápida.  Apesar disso, não há como não se observar que é a riqueza da linguagem poética o grande trunfo  do espetáculo, todo ele mesclado por alegorias e metáforas, como a representação do amor entre mãe e filha e suas contradições existenciais.
Ao descrever, em detalhes, o cenário de sua peça, Hilda Hist faz recomendações explícitas aos virtuais diretores do seu espetáculo, que, assim como  Francisco Alves, do Quartas Dramáticas, encararam os desafios de montar aquela sua obra complexa, literária e poética: “Pequena peça poética que deve ser tratada com delicadeza e paixão. Pausas, cumplicidades nada evidentes, silêncios esticados. Sobretudo é preciso não temer as pausas entre certas falas. São absolutamente necessárias.”
No caso do espetáculo, encenado na UnB, as sugestões da escritora parecem ter sido bem assimiladas pelo grupo que interpretou sua peça. Mas o diretor sumiu com o importante tear e acrescentou ao cenário e no roteiro, inovações como o  clima excessivamente sombrio do palco, além de  uma cena inicial  de nudez, sem conotação sexual  e com apelo poético, místico, musical. O diretor também incluiu literalmente os espectadores nas cenas, com os atores envolvendo alguns espectadores  das primeiras filas em um cordão... uma provável provocação lúdica que despertou a curiosidade do público jovem,  que também pôde desfrutar no final  da degustação do  vinho tinto “Mioranza”, utilizado em cena e cujo folclórico garrafão estava à mostra no palco.
A interpretação do quarteto de atores é convincente (sem empolgar), sobretudo em se tratando de uma leitura cênica, quando o caderno de texto em mãos atrapalha determinados gestos e movimentos dos intérpretes. O figurino esteve próximo do imaginado pela autora, como as camisolas iguais de mãe e  filha, em tons claros.
Um dos poucos deslizes do espetáculo foi a dificuldade da atriz que representa Ana em consertar a alça da camisola, que se rompeu em cena. Um acidente que poderia sugerir algum significado cênico, não previsto. Mas a sua interpretação foi louvável, como também ocorreu com a  atriz que representou a filha, Ana. Numa provável distração,  ela atrapalha a dramaticidade de uma cena, lendo o caderno de texto sentada no palco, em segundo plano, quando  a personagem deveria estar ausente.  Mas nada que comprometesse a carga dramática que transmitiu no espetáculo.
São quatro personagens apenas: Ana, sua filha Maria, o marido e o corcunda Meia –Verdade (que sugere a meia potência sexual, da cintura para baixo, como uma provocação filosófica). Ele é o inesperado visitante (ou seria o filho no ventre de Ana?),  um catalisador de sentimentos ambíguos entre os personagens.
Um dos poucos deslizes do espetáculo foi a dificuldade da atriz que representa Ana em consertar a alça da camisola, que se rompeu em cena. Um acidente que poderia sugerir algum significado cênico, não previsto. Mas a sua interpretação foi louvável, como também ocorreu com a  atriz que representou a filha, Ana. Numa provável distração,  ela atrapalha a dramaticidade de uma cena, lendo o caderno de texto no palco, quando deveria estar ausente.  Mas nada que comprometesse a carga dramática que transmitiu no espetáculo, com competência.   
 Se o enredo não fosse tão poético  talvez pudesse até ser considerado banal: uma mãe obcecada em gerar  “Marias” _  com todo o simbolismo que esse nome mítico traz. Uma relação conflituosa entre elas, um personagem supostamente desconhecido, como o corcunda “Meia-Verdade”, que traz à tona sentimentos e emoções singulares. O marido, que nem nome tem, situa-se em segundo plano, como coadjuvante masculino, dentro daquele universo familiar feminino. Em  crise e atemporal.
Quem conhece a conturbada vida pessoal de Hist sabe que ela  teve que lidar com a esquizofrenia do pai e que isso pode ter influenciado a exploração do psiquismo e a  introspecção filosófica, em sua criação literária.
 Mas, deixando de lado aspectos secundários como as  experiências biográficas da autora, o que é fundamental em “O visitante” é a possibilidade de se vislumbrar a  ousadia como Hist  utiliza o texto poético, em sua  admirável concepção estética, enriquecida por  reflexões  sobre o relacionamento humano. Um texto provocativo que se torna um convite  a uma leitura mais aprofundada de toda a densa e variada  obra da escritora. O leitor será certamente um “visitante” satisfeito ao imaginário histiano.




pausas, silêncios e encantamento
Ana Paula Mariani


“Ainda ontem os homens colheram rosas que nasceram de nós.”
Hilda Hilst

           
           
           
            A peça O Visitante, de Hilda Hilst é um drama que aborda a temática do adultério e é composta de quatro personagens: Ana, de aproximadamente 40 anos; Maria de 25 anos; o marido de Maria e o personagem Corcunda. A peça encenada no Quartas Dramáticas tinha um cenário de cor escura, com muitas velas acesas. No palco, havia mesa e cadeiras, igual ao ambiente de uma casa. De repente, surge a personagem Maria. Ela estava nua e cantava um canto aparentemente triste. Marcou o palco com um pó de cor branca, em forma de círculo. Em seguida, aparece Ana, mãe de Maria. As duas estão igualmente vestidas, com um vestido branco e de aparência leve. É posta uma bacia com água e um pano, e as personagens são banhadas por um homem. Depois, as duas, mãe e filha, são atadas por um pano branco, preso aos seus vestidos. O público presente é surpreendido com barbantes que são enrolados nas pessoas, como se quisessem nos atar, da mesma forma que havia sido feito com mãe e filha. Até então, é um lugar frio, sem nenhum diálogo.
            Ana é uma mulher encantadora, amável e meiga. Expressa calma e sensibilidade. Já Maria, é fechada, amarga e parece ser infeliz. Elas são o oposto uma da outra e estão ligadas não só por um pano que as prendem, mas por um conflito que faz parte de suas vidas. Esse conflito se deve à gravidez de Ana. Mas não é qualquer gravidez. É que Maria desconfia que seu próprio marido possa ser o pai do filho que sua mãe supostamente carrega no ventre. Ana pede a Maria por diversas vezes que toque em sua barriga, que coloque a mão no seu ventre para que sinta o seu bebê, mas Maria sempre se recusa de uma maneira seca e grosseira.
            O marido de Maria parece ter alguma atração por Ana, o que acaba intrigando cada vez mais Maria. Ao mesmo tempo, parece sentir vontade de ter um filho com Maria, tanto que chega a cobrá-la por isso. Segundo Ana, esse Homem é “Um todo cortês. Um porte ereto e altivo”. Ele avisa às mulheres que irá visitar a casa uma pessoa que encontrou pelo caminho, a qual ele não sabe nem o nome. O Homem diz que o visitante “Deve ser um homem de apreço. Tem apenas um defeito. Mas quase não se nota... Uma corcova”.
            De repente, eis que aparece o Corcunda, vestido exatamente igual ao marido de Maria. Sua chegada faz mudar o jeito de Maria. Ela passa a atribuir a paternidade do filho de sua mãe ao Corcunda, fazendo mudar completamente o seu comportamento. Maria fica alegre e serena, desaparecendo sua rispidez. Assim, Maria deita-se no colo de sua mãe e parece entrar em um sono profundo. E Ana a acolhe com uma tranquila canção.
            Todavia, a dúvida que perdurou até certo tempo na mente de Maria foi transferida para o público. Seria mesmo o Homem, o pai do filho de Ana? Ou o pai seria “O Visitante”, o  Corcunda? É uma indagação que irá persistir toda vez que nos lembrarmos desse texto denso e poético de Hilda Hilst.
            Vale ressaltar a carga lírica e poética do texto de Hilst. A obra possui um texto seco, mas ao mesmo tempo capaz de encantar. Os diálogos foram marcados por poesia, pausas, silêncios e respiração profundos, muito bem representados por seus personagens, em especial pela interpretação da personagem Ana. Enfim, emoção e angústia à flor da pele.
           
INSINUAÇÕES
Natália Rocha Marques
            A leitura encenada do grupo Quartas Dramáticas do dia 19 de outubro apresentou o teatro de Hilda Hilst. Sob a direção (e também atuação) de Francisco Alves, o texto de O Visitante provou que a poetiza foi capaz de transportar suas metáforas ao teatro e fazê-lo com grande qualidade.
            Sal: assim começa a peça e suas metáforas. A personagem Maria está nua e joga sal no chão, formando um círculo em torno do cenário (escuro, com uma mesa no centro, tal como Hilda Hilst prescreve em seu texto). A partir disso, todas as personagens precisam abrir um espaço (como uma porta) no círculo de sal. Só assim é possível entrar na cena, na vida, na casa, na história de Maria, já que o sal é uma metáfora usada no texto de Hilda Hilst para descrever a mágoa desta personagem e é incorporada com inteligência pelo diretor na encenação.
            Mas e a nudez? Nascimento, fragilidade, sexualidade. Todas as possibilidades estão em Maria. E todas elas também estão em Ana, sua mãe. Na cena seguinte, o encontro das duas. Entram vestidas com camisolas iguais (o que é, mais uma vez, prescrito pela autora) e são banhadas por um líquido vermelho. São os dois homens – Corcunda e o marido de Maria (também vestidos de forma idêntica) – que molham as duas e, em seguida, amarram a ponta de um grande lençol na camisola de cada uma, formando uma ligação umbilical que as une durante toda a encenação. O líquido vermelho pode remeter ao sangue do nascimento, mas lembra também a menstruação e o momento em que as duas passam de mãe e filha a duas mulheres, possivelmente, rivais.
            Até então, nenhuma palavra e muitos símbolos expostos. Esta abordagem, para o público que ainda não teve contato com o texto, dificulta o entendimento das metáforas, ainda que seja um artifício rico para aqueles que já conhecem a peça. Chega-se, então, ao texto. A atriz que interpreta Maria se manteve obscurecida, com um olhar sério, o que foi auxiliado pela maquiagem escura. Uma personagem infeliz, angustiada, magoada. Em contrapartida, a mãe se mostra falsamente cuidadosa, carinhosa e delicada com a filha e procura perturbá-la indiretamente, chegando ao auge ao propor a possibilidade de estar grávida.
            O marido de Maria entra em cena, troca olhares com a sogra e partilha seus mesmos sentimentos de felicidade e satisfação. Cantam juntos, deixando Maria ainda mais perturbada. É neste momento que as insinuações da peça são melhor compreendidas e o público pode ver o que está acontecendo: Maria desconfia de que sua mãe tem um caso com seu marido.
            O Corcunda (visitante inesperado, convidado pelo marido para jantar) entra em cena é a peça-chave para o desfecho. Chamado de Meia-Verdade, essa personagem é mais uma metáfora importante no texto de Hilst. Interpretado pelo diretor (que acabou incorporando um tique, embora a autora sugerisse que isso fosse evitado), o Corcunda dará as insinuações para a frágil Maria chegar às suas brilhantes conclusões.
            O diretor utilizou os silêncios, os tons, os olhares, seguindo todas as recomendações da autora. Dessa forma, o texto ganhou vida e a interpretação clara do final (a traição certa entre Ana e seu genro) é insinuada ao público pelo diretor com a perfeição das metáforas da autora. Ana, talvez, seja a única enganada.


sobre A SERPENTE  


Simetria da Serpente
Natália Rocha Marques

            A leitura cênica da peça A Serpente, de Nelson Rodrigues, realizada pelo grupo Quartas Dramáticas, na Universidade de Brasília no dia 21 de setembro de 2011, foi além da leitura e realmente mereceu o adjetivo “cênica”. O diretor André Luís Gomes surpreendeu ao transformar leitura em encenação e estudo em espetáculo, pois o teatro de Nelson Rodrigues ganhou novos formatos e transcendeu o texto.
            O simbolismo foi a carta curinga do diretor e o formato simétrico entre todos os elementos teatrais dialogava com a peça de Nelson Rodrigues, que traz duas irmãs, cujas vidas são reciprocamente influenciadas e divididas. O cenário, por exemplo, dividia-se entre as cores branca, vermelha e preta. Havia um fundo preto, duas mesas, as quais representavam o quarto de cada irmã, e uma passarela vermelha que passava entre elas, tudo de forma proporcional e harmônica.
            As duas atrizes que interpretavam as protagonistas conseguiram despertar o interesse do público quanto à trama, e os atores que interpretavam seus maridos (de casamentos realizados no mesmo dia) deixaram a posição secundária de suas personagens e divertiram o público por escancararem suas personalidades, obscurecidas no texto de Nelson Rodrigues. No entanto, é preciso destacar o papel da Crioula, interpretado com grande habilidade por um ator homem e negro, vestido de branco. A crioula apareceu não só nas cenas determinadas pelo texto de A Serpente, mas em muitas outras representando mais uma forma de explicitar informações que o texto permite inferir. Essa personagem representa a sexualidade e voltava em todas as cenas em que o sexo era proposto ou realizado, já que era com ela que Décio conheceu o prazer. O fato de ter escolhido um homem para encenar tal papel demonstra a insinuação simbólica na direção de André Luís Gomes da homossexualidade no texto, tal como ocorre em algumas situações entre as irmãs.
            Outros elementos também contribuíram para o simbolismo da peça. Houve, por exemplo, um ator mascarado, vestido de preto,  distribuindo lápis às mulheres na entrada do anfiteatro,  e com uma  enorme almofada no formato de um  “falo”, representando a serpente e a sexualidade. Os vestidos das duas irmãs mudaram de cor de acordo com a troca de papéis entre elas: vestiam preto enquanto eram tristes e não se realizavam sexualmente e vermelho quando estavam realizadas. No início da peça, ainda, houve a cena em que cada irmã estava em uma ponta do palco e deixavam cair alguns lápis sobre um pano vermelho, que representava a vagina (de Lígia) desvirginada por um lápis.
            A novidade no formato da peça foi além dos elementos teatrais e trouxe um novo final à história, mais dramático e ainda mais simétrico, já que as duas irmãs morrem. Os papéis sociais na peça de Nelson possuem contornos muito nítidos de acordo com a época em que foi escrita e uma nova forma de encenar esse texto nos traz possibilidades de reflexão sobre as mudanças ocorridas desde então ou a persistências de certas práticas em nossa sociedade.

Isabela Delavechia Martins de Oliveira
Colocar em cena as obras de Nelson Rodrigues não é uma tarefa muito fácil e como um bom texto desse cânone da dramaturgia brasileira, “A Serpente” não poderia ser diferente, uma trama envolvente com um misto de ciúmes, inveja, traição e morte que norteiam um belo conflito familiar.
A história tem como foco principal o triângulo amoroso formado pelas irmãs Ligia e Guida e seu marido Paulo, um cafajeste de primeira linha que aceita passar uma noite com sua cunhada a pedido de sua esposa,  pois Lígia mesmo depois de casada com Décio continuava virgem por conta da impotência do marido e portanto infeliz, e para agradar a irmã e por sentir um amor incondicional por ela, Guida pede que seu próprio marido lhe conceda uma noite de amor.
Mas por uma ironia do destino,  Guida se arrepende de seu ato e Lígia acaba se apaixonando pelo cunhado. Paulo tenta ludibriar as duas iludindo–as com palavras falsas de amor, até que tomada por um ciúmes doentio tanto do marido quanto da irmã, Guida começa a apresentar alguns transtornos psicóticos que o levam direto para a morte.
Alem do foco principal, tem também um núcleo secundário formado por Décio, o marido impotente de Lígia,  e uma Crioula, que após uma noite a sós Décio descobre estar curado de sua suposta impotência.
E é dentro desse universo “Rodriguiano” que mergulha o professor André Luis e rege com maestria o time de atores amadores na montagem do texto para a 3ª edição do “Quartas Dramáticas”
O conjunto de elementos cênicos torna o que deveria ser apenas uma leitura dramática e um espetáculo quase que completo, e algo que me pareceu um tanto quanto importante para demonstrar a passagem de uma Guida bem amada e feliz no seu casamento para uma Guida transtornada e possessa foi o figurino, que me um determinado momento as duas alunas que interpretavam as irmãs trocam de roupa transparecendo ao público uma inversão de papeis em que a irmã mal amada passa a ser a mulher de Paulo.
Mesmo sendo um texto um tanto quanto carregado de elementos complexos o diretor conseguiu inserir em sua montagem uma veia cômica, colocando um homem para interpretar a Crioula, a responsável pela suposta causa da cura para a impotência de Décio, o que nos abre uma série de interpretações.
O intérprete da Crioula além de fazer a personagem propriamente dita, é usado como uma espécie de elemento cênico, ele sempre aparece nos momentos de maior ação do texto, e,  principalmente.  nas cenas de sexo em que ele entra e coloca um guarda – chuva branco que serve de fundo para projetar os vídeos previamente gravados, recurso original que serviu como elemento  enriquecedor para o espetáculo.
A montagem feita pelo grupo é finalizada de forma trágica em que os três personagens centrais morrem, diferenciando do texto original, mas o que não compromete a grandiosidade de todo um trabalho cênico passado para o público durante toda a leitura.

Análise crítica da obra e de sua apresentação
Eduardo Stefano Martello

            Em A serpente, último trabalho de Nélson Rodrigues como dramaturgo, o autor explora conteúdos comuns às suas obras passadas, sexualidade, interposições sociais e descontroles psicológicos. No entanto, não podemos dizer que lhe faltou criatividade. Alguns críticos afirmam que a peça é apenas ‘mais do mesmo’, o que, de fato, é teoricamente verdade. Mas devemos colocar de lado a idéia de escritores têm o dever de serem inovadores todo o tempo. A contribuição de Rodrigues ao teatro é incomensurável, dispensando críticas nesse sentido.
            No presente texto, temos uma trama bem harmonizada entre duas irmãs e seus respectivos maridos. Logo no início do texto,  o autor já nos mostra de que se trata a obra. Os fatos são expostos nas primeiras cenas e vão ganhando grandeza ao decorrer da exposição.  O texto é envolvente e apreensivo, transportando-nos ao universo rodriguiano a cada cena.
O enredo é tão atual e real que leva qualquer um a pensar que o fato poderia ter sido verdadeiro. É a história de duas irmãs que se casam no mesmo dia, na mesma igreja e que vivem no mesmo apartamento. No entanto, enquanto Guida vive a plena felicidade conjugal, Lígia ainda espera que seu marido – Décio - ‘consuma’ o casamento, sendo virgem até o momento da trama. Após deixar evidente sua infelicidade,  separando-se de Décio, Lígia é surpreendida com a proposta de sua irmã a qual lhe  oferece uma noite de ‘mulher’ com Paulo - marido de Guida.
            Monta-se então a atmosfera para que a ‘serpente’ induza o pecado. Paulo, que por vezes se faz de vítima, mas assume posição de cafajeste e deflora Lígia, com mais eficiência que o famoso lápis, em uma noite de amor. A partir de então, se começa a viver a tensão da obra. Guida se envolve num ciúme doentio, Lígia se apaixona por Paulo, que passa a viver a confortável situação de ser disputado pelas duas.
A essa altura, a impotência de Décio, fator predominante para o desenvolvimento do enredo, é posta abaixo com a apresentação de uma personagem importante, porém de poucas cenas. Com a Crioula, Décio consegue usufruir de sua masculinidade. Trata-se de uma lavadeira que dentro do texto se assemelha à imagem de vulgarismo. Aos olhos mais atentos, a presença da crioula transporta a peça para um nível social diferente do enredo em sua forma geral, além de idealizar uma realidade constante do Brasil, o preconceito.
A peça foi dirigida pelo professor André Luís Gomes e estrelada por alunos da UnB, a exceção da presença de um único ator profissional. Sua apresentação no Anfiteatro 09 do Instituto Central de Ciências da UnB arrancou aplausos, suspiros e gargalhadas da platéia, um verdadeiro sucesso a sua altura de recursos. Não poderia deixar de ser, pois o diretor e seu elenco conseguiram inovar além do esperado. A inclusão de um personagem de palco, utilizando as habilidades do ator que interpretou a crioula, foi surpreendente, ao representar nas cenas sexuais a imagem do pecado.
Gomes inova também ao alterar o final da peça. No texto original, apenas Guida morre, assassinada por seu marido. No encenado, Paulo também empurra Lígia pela janela e acaba sendo morto por Décio, que o assassina com um revolver no último instante da peça.
Com um trabalho exemplar, o grupo quase transformou o que era para ser inicialmente apenas uma leitura cênica e uma grande apresentação teatral digna de notável profissionalidade, mostrando ao público que o projeto Quartas Dramáticas vem se desenvolvendo cada vez mais.
Veneno e humor na medida certa
Zildenor Ferreira Dourado

Interpretar Nelson Rodrigues, em toda a sua complexidade temática, é perigoso e nem sempre significa sucesso.  No caso da peça “A Serpente”, escrita pelo genial e polêmico dramaturgo em  meados do século passado,  esse desafio ganha força:  o texto já foi montado à exaustão por diversos grupos teatrais __ tradicionais e de vanguarda __ pelo Brasil afora, que exploraram todas as suas características dramáticas, os apelos imagéticos, tabus, mitos, intrigas,  como ingredientes indispensáveis na trama desenrolada por personagens fortes, marcantes, ambientados na emergente burguesa  carioca.
No espetáculo dirigido pelo professor André Luís Gomes, para a 3ª edição do Quartas Dramáticas, a releitura experimental levada a uma plateia composta basicamente por jovens estudantes, no anfiteatro 9 da UnB, trouxe  uma clara proposta de  apresentação de algo novo e sedutor. O resultado foi positivo, embora não tenha empolgado os espectadores em suas manifestações. Apesar das limitações de recursos cênicos, que impedem a troca de cenários, por exemplo, a leitura cênica divertiu muito mais do que se poderia imaginar.
A concentração demonstrada pelos atores/estudantes garantiu interpretações convincentes, principalmente das atrizes que interpretam as irmãs rivais. Muitas vezes elas nos proporcionaram a impressão que poderiam dispensar a cópia do texto, em suas mãos, o que causaria ainda mais entrega à representação gestual. A interação com o público, nos olhares e reflexões dos personagens, foi um dos pontos altos do espetáculo.
 Rodrigues constrói uma trama apimentada, com muita tensão e diálogos conflituosos.  O enredo é sobre duas irmãs que se casam no mesmo dia e vão morar, com seus maridos, num único apartamento. Enquanto uma delas (Guida) é feliz; a outra (Lígia) sofre por se manter virgem e tenta se contentar com um lápis. Um ineficiente lápis, conforme garantiu seu cunhado/amante. Naqueles tempos remotos, convém lembrar, certamente não havia sex shops, vibradores nem outros apetrechos eróticos mais eficazes contra a castidade.
 A alegoria do lápis, aliás, mereceu destaque na criativa abertura da peça, feita pelo diretor. O objeto virou até brinde para o público, na divulgação do espetáculo feita por um ator vestido de serpente. A brincadeira ajudou a criar suspense na plateia inquieta de estudantes.
O texto de Rodrigues, contudo, é que sobressai na peça. É atualíssimo em sua abordagem sobre as contradições dos sentimentos humanos, com muitas alusões míticas. É o caso, por exemplo, da referência à serpente, que no Paraíso provocou Eva a provar o gosto do pecado. E depois foi amaldiçoada por Deus.  No texto do autor pernambucano, Lígia encarna o mito da serpente, oferecendo à irmã “uma noite de amor” com o cunhado (seu marido Paulo) _ um canalha assumido, que se aproveita do adultério consentido para se tornar um garanhão, alvo de disputa entre elas.
 Rotulado de pornográfico por seus críticos ferozes, “os idiotas da objetividade”, o autor explora com maestria a fraqueza de seus personagens, os desvios de personalidade, o erotismo exacerbado, insinuando inclusive uma atração edipiana entre as irmãs. Amor, solidariedade, inveja, traição, taras, voyeurismo, fetiches _ tudo isso serve como pano de fundo para o escritor zombar dos paradigmas conservadores da sociedade, dos velhos dramalhões românticos.  
Interessante também foi a criação por Rodrigues de uma personagem escrachada, a “crioula da ventas fumegantes” que aparece na trama para acabar com a falsa impotência de  “Décio” , seu patrão, que teve de abandonar o lar.  É ela quem faz o ex-brocha  exaltar que as mulheres da  sociedade  também gostam de serem possuídas pelo traseiro, como as proletárias domésticas. A provocação do autor acabou sendo ressaltada no texto adaptado por André Gomes, que carregou de picardia a interpretação da personagem, feita por um jovem ator negro, cabeça raspada, que aparece outras vezes no palco, em recursos cênicos, ostentando uma sombrinha caleidoscópica, que ajuda a marcar as passagens de espaço e tempo.
A principal inovação apresentada na versão  encenada na UnB foi a mudança da cena final. No desfecho de Rodrigues, a “serpente” Guida foi punida com a morte (como nas tragédias gregas), sendo atirada da janela de 12º andar do seu quarto, pelo marido infiel. E a irmã pecadora entrega o cunhado/amante à polícia. Gomes acrescenta em seu final mais uma maldade de Paulo, matando também Lígia assim como fez com a mulher, sendo alvejado depois pelo rival Décio. Uma brincadeira com o destino dos personagens, punindo  todos eles.
A variação do final, entretanto, não altera a força dramática da história, em sua concepção de crítica aos vigentes valores tradicionais cristãos. Se analisarmos a temporalidade, a obra de Rodrigues é profética: hoje __ muito mais do que nos anos 40 do século passado__  casais têm que viver debaixo de um mesmo teto, por necessidade econômica, sem qualquer privacidade,  em minúsculos apartamentos e casas apertadas. Isso ocorre inclusive com vizinhos quase desconhecidos, separados apenas por paredes finas, dividindo sons diversos, como gemidos, gritos, palavrões, flatulências.
 Além disso, atire a primeira pedra quem nunca cobiçou a maça oferecida pela serpente __ aquela pessoa proibida, tão próxima, parente ou não. As conversas de bares entre homens e mulheres confirmam também o fetiche crescente pela busca de relações  não-convencionais, por formas mais bizarras de fruição do sexo,  dos desejos escondidos. O que Nelson Rodrigues fez, e que gerou escândalos, foi apenas tratar esses sentimentos com coragem, lirismo, criatividade  e competência narrativa.  Uma marca de suas crônicas publicadas na série “A vida como ela é”.
O diretor Gomes também merece aplausos por sua direção segura, sem transformar em “óbvio ululante” o texto de Rodrigues, em sua adaptação cênica. Um dos poucos deslizes da peça foi o desleixo das meias  pretas rasgadas das protagonistas, Guida e Lígia,  que poderia sugerir decadência econômica das personagens. Detalhes que não tiraram a correção do figurino, que alternou vermelho, a cor do pecado, com o preto, sombrio. Se estivesse na plateia no anfiteatro 9, Rodrigues diria que as duas atrizes mereceriam umas palmadinhas...
O que mais sobressai no espetáculo, entretanto, é a universalidade dos temas abordados.  Em uma de suas frases célebres, Nelson Rodrigues teria dito que “o casamento redime todos os pecados.” No caso dos casais expostos naquela peça a mensagem que fica é outra: não existe casamento que resista às tentações das serpentes, que somos todos nós.

SOBRE CARTA AOS ATORES 

 “Cadê o coração disso tudo?”
Zildenor Dourado 
O que poderia ser um banquete artístico virou um espetáculo pouco indigesto. Se os jovens estudantes que interpretaram o texto de Valére Novarina, na estreia da terceira temporada do projeto Quartas Dramáticas,  seguissem os conselhos do autor certamente a leitura cênica apresentada por eles sobre o texto Carta aos Atores (Lettre Aux  Acteurs), no anfiteatro 9 da Universidade de Brasília (UnB), traria melhores resultados.
  No palco improvisado, o texto adaptado pela professora Maria da Glória dos Reis  foi apresentado como uma “salame fatiado”, em francês/português. Ou terá sido português/francês?  Sobraram palavras. Faltou coração. Tudo o que Novarina condenou de modo visceral  em sua carta aos  jovens autores. Mas a impressão é que não lhe deram ouvidos.
 O resultado é que a  proposta de   sedução da plateia acabou prejudicada  pela quebra de ritmo no texto, desconfigurado por frases  intercaladas nos dois idiomas, que tornou ainda mais complicada a decodificação daquela mensagem metalinguística sobre o  ofício dos atores: interpretar. Quem não conhecia os originais ficou em busca de significados para aquela mistura de palavras fortes.
  Imagine o leitor, que não domina o francês, assistir a um espetáculo em que metade das falas é desnecessária, pura tradução literal. Para os leigos espectadores comuns,  o espetáculo tornou-se  mais parecido com uma aula encenada  de língua estrangeira do que com uma leitura dramática.  A sonoridade fechada do francês pode até soar agradável, mas  provocou um perigoso e maçante quebra-cabeça linguístico. Lembrou até as frases em latim que ouvimos nas missas. Belas, mas sem significado, para quem não é do ramo.
  Embora a adaptação da leitura cênica, em jogral,  tenha sido prejudicada por seu caráter bilíngue, redundante, é preciso também reconhecer que o texto original, feito como  monólogo, apresentou, de fato,  muitas dificuldades para ser adaptado por um grupo de  amadores, que não puderam decorar as falas e levá-las ao público com maior força interpretativa. Assim, caíram nas armadilhas condenadas por Valére Novarina.
  Conforme expõe  o autor, em seu texto, aos atores  não cabe apenas proferir palavras, expelir ideias, mecanicamente. Ele deve degustá-las, defende, ao comparar o ato de interpretar à fisiologia humana.  Assim, ressalta as funções  da boca, dos pulmões, dos intestinos, dos órgãos sexuais, destacando que essas atribuições  orgânicas podem ser invertidas, conforme o uso pelo ator/atriz.  Boca e ânus, por exemplo, podem deixar de ser simplesmente a entrada e saída do processo digestivo/interpretativo, lembrando que em vez de interpretar o ator pode ser levado a “defecar” palavras. “Pulmonear não quer dizer berrar”, exorta.
 As analogias, sinestesias e alusões imagéticas de Novarina mereciam ser melhor degustadas pelo grupo de  atrizes(só havia um ator), antes de serem levadas ao palco do Quartas Dramáticas.  O espectador acabou engolido pela linearidade da leitura textual, sem personagens, sem emoções, sem variações cênicas marcantes. Apenas algumas frases destacadas em tom mais alto. Situações condenadas pelo autor, no próprio texto apresentado. “Não tem que bancar o inteligente, mas botar as barrigas, os dentes, os maxilares para funcionar”. 
 Também poderiam trazer bons resultados recursos cênicos que ressaltassem as críticas de Novarina à  mercantilização do teatro, as imposições da  indústria cultural  e a busca cega pelo sucesso. A falta de ousadia na direção do espetáculo pareceu contaminada pela carência de iluminação, sonoplastia, alternância de cenários. Mas será que a falta de apoio financeiro à produção daquela leitura cênica não poderia ser driblada com mais criatividade?  Muito poderia ser acrescentado para enriquecer cenário e figurino, que mais parecia uniformes de colegiais.
“Cadê o coração disso tudo?” A questão central levantada no texto original pode ser endereçada ao grupo que se apresentou na reestreia do Quartas Dramáticas. Mas cabe a ressalva de que é mesmo difícil a  responsabilidade de adaptar aquela reflexão provocadora de Novarina. Obviamente, os problemas não foram causados por falta de empenho ou dedicação.  Mas não se pode negar que faltou inspiração e maior  eficiência  ao que poderia ser feito, a fim de tornar o texto bem digerido, ruminado.
   “É preciso atores com intensidade, não atores com intenção. Botar o corpo pra trabalhar”. Adivinha de quem é essa frase?

“CARTA AOS ATORES”
 Cássio de Azevedo Guedes

O autor... o diretor... o jornalista... o público... Não! O foco de Valère Novarina é o ator. O ator que clama por liberdade. O ator que vai além da “mastigação” e da “digestão” do texto. O ator que busca essa liberdade e a sua afirmação lá “no fundo da barriga, nos músculos da barriga.”
Esses mesmos músculos da barriga servem para “defecar ou acentuar a palavra”. O autor de “Lettre aux acteurs” brada pela acentuação da palavra em detrimento da sua defecação. A enérgica apresentação do grupo dirigido pela professora Glória Magalhães, num ritmo frenético, alternando a leitura em língua francesa, acompanhada de sua tradução em português, faz-nos perceber a luta incessante do ator pela palavra acentuada. O ponto negativo da leitura dramatizada em duas línguas é o cansaço por vezes provocado na plateia, estendendo a apresentação e causando desconforto no público que não compreende o francês.
 O grupo de teatro decide pela representação em jogral de uma peça concebida originalmente como um monólogo. Lançando mão de um figurino simples e de um espaço cênico leve, composto apenas por uma mesa e duas cadeiras, atinge o objetivo da encenação: o foco no ator e na sua palavra. E essa palavra ganha eco, força e provoca sentimentos diversos na plateia, que assiste arrebatada esse jogo marcado pela mudança de timbre, volume e ênfase na voz de cada integrante.
Essa leitura musicalizada em coro, alcança o tom desejado por Valère Novarina – o protesto. Protesto contra a reprodução e a falta de criatividade no teatro. Protesto contra a atuação de “recorte do texto” pelo ator, da “segmentação da fala que se aprende na escola.” Afinal, para o autor da peça “é preciso atores com intensidade, não atores com intenção.”
Novarina usa o seu texto para dialogar com o público, para fazê-lo pensar, questionar, transformar-se. O que ele pretende é o urgente fim do sistema vigente. Sistema dominador, que inibe a criação do novo. E nessa concepção do novo, o ator está à frente de todos, do diretor, do jornalista, da plateia... pois ele detém o saber do seu corpo. Corpo esse marcado pelas três embocaduras insistentemente reveladas e realçadas ao longo da encenação.

CARTA AOS ATORES, DE VALÈRE NOVARINA
Priscilla Dalledone
MATRÍCULA 10/24833

Permeados por uma intenção contemporânea, o texto e sua encenação abrem espaço para uma leitura a respeito do artista e seu papel. O uso excessivo de figuras de linguagem - o que caracteriza a obra de Novarina como um todo - reforça a subjetividade de que o ator vive em função.
A temática, por mais que esteja presente em momentos diversos da história da literatura e do teatro, surge com inovações vocabulares e formais. O texto corrido, sem indicações de personagens ou rubricas, exemplifica a mudança na forma, assim como a ausência de qualquer marcação temporal ou espacial (tempo psicológico e lirismo acentuado).
Na encenação dirigida por Glória Magalhães, o texto único se divide em várias personagens (mesmo assim, sem definição de características individuais delas) com um jogo de vozes e movimentos mesclando o grupo – o jogral, por exemplo, aparece em diversas cenas – com o indivíduo.
A plasticidade da peça é favorecida pela dinâmica com que ela se desenvolve. Apesar de cenário e figurino simples – mesa alongada com duas cadeiras e calça jeans com camisa branca para todos -, os corpos dos artistas representam imagens, como fotografias – muitas vezes.
Essa ligação com o visual contrasta com o estímulo auditivo que o texto proporciona. Palavras semelhantes e palavras opostas aparecem entrelaçadas e complementadas por aliterações. A leitura se assemelha a uma música por seu ritmo, contudo os vocábulos fortes e controversos acentuam uma brutalidade e uma sexualidade na peça.
O teatro de Navarina é frequentemente associado a espetáculos de dança e encenado neles. É como se cada palavra bailasse pelo palco. Essa é a impressão que passa a construção dos textos, e este em questão dança cada parte ou cada “buraco” do corpo – como o autor mesmo diz – em um entra-e-sai constante. É uma analogia com o processo digestório em que tudo que entra sai transformado.
Se as palavras são o corpo, o texto é o ator e o espetáculo nasce de uma experiência de reconstrução da própria identidade de quem o encena ou lhe assiste. Não há maneira de lidar com a peça literalmente; a poesia do absurdo – Novarina recebe influência de Ionesco e de Samuel Becket, figuras símbolo do teatro do absurdo – conduz a mensagem ao extremo subjetivismo.
Entre as metáforas e o lúdico, o espetáculo nasce, a encenação se desenvolve e a reflexão pode durar a eternidade, pois é esta a função primária da arte verdadeira: inquietar o ser e fazê-lo pensar, questionar e transformar a si próprio e ao mundo.
A tradução e a adaptação de Glória Magalhães cumpre com perfeição seu objetivo e a encenação bilíngue reforça a fidelidade ao texto original e ainda acrescenta um novo jogo de palavras: o entrelaçar da língua francesa com a portuguesa.

OS GATOS MORREM NO ASFALTO, de ANDRÉ AMARO   
 (Direção Rita de Almeida Castro)
Texto crítico: Kézia Abiorana


Dar ou não dar certo. Anjos ou gatos. A vida solitária e decadente de artistas que não se enquadram nos parâmetros da arte apreciada pela sociedade “anti-musical, retrógrada e ultrajada pelo materialismo”, segundo Misty, é cruamente exposta por André Amaro em Os Gatos Morrem no Asfalto. A peça escrita em 1991 apresenta uma parte da realidade de Misty, uma cantora sem plateia, Bali, uma atriz desempregada, Viloro, um poeta-mendigo(ou seria mendigo-poeta?) que, cansado de mendigar como poeta, passou a poetizar enquanto mendiga, Ventana, também chamado de Ventania, palhaço na vida e nas ruas e Lis, uma bailarina de “bunda grande, quadril largo e peitos inflados”, também sem trabalho.
A obra de Amaro desmistifica a ideia do glamour artístico que compõe o inconsciente coletivo da sociedade mostrando o lugar realmente destinado àqueles que se atrevem a padecer da “loucura dos artistas” e insistem em levar sobre si o verdadeiro peso de ser escolhido pelo fazer artístico nem sempre em voga num mundo movido pela indústria cultural.
Como declara Misty, felizes mesmo são aqueles que não padecem dessa loucura e “conseguem manter a coluna ereta” como seu pai que queria ser escritor, mas foi “apenas um homem correto”. Mesmo com os “ombros largos”, o pai de Misty ainda viu a vida escorrer pelas costas, mas como declara à garota: “A vida só cabe na medida dos nossos ombros. É para eles que devemos voltar nossos olhos.” No entanto, a peça Os Gatos Morrem no Asfalto mostra que essa não é uma alternativa para aqueles que aceitaram suportar o mundo em seus ombros. Bali tenta um emprego qualquer, mas não dá certo. Viloro resolve cantar para a lua, fazer o que sabe para sua única espectadora já que “a poesia só salva os poetas, e os artistas [sem a arte] não podem inventar o mundo”, Ventana continua sua vida nas ruas usando sua imaginação “guardada no fundo de uma gaveta cor-de-abóbora no pé da cabeça”: os três que “não deram certo” são verdadeiros gatos de rua revirando o lixo, convivendo com cadáveres, completamente à margem de uma sociedade voltada para a fama e o sucesso, além de irredutível para os perdedores, para os palhaços tristes das noites.
Misty ainda tenta ser como um dos gatos, mas Viloro acredita que ela dará certo “e as pessoas que dão certo viram anjo”. Nessa busca por virar anjo, Lis resolve ter uma conversa com a Morte hilariantemente personificada na peça, sendo, inclusive, uma poetiza também. Ainda que anteriormente tenha pensado em ser prostituta ou “uma mulher comum”, prefere a busca pela morte do que a abdicação de seu posto como artista. Incomodada por uma música que vem do alto de uma torre “do tamanho de sua alma”, Lis tenta levar a Morte até o topo para silenciar aquele que toca e, nessa jornada discutem sobre olhares, o conceito de vida e outros assuntos.
Apinhada de reflexões, frases geniais, drama e comédia, Os Gatos Morrem no Asfalto é a própria arte que dá a ver o que a ideologia do status dado à Arte como instituição esconde. Para os personagens, como em Os Ombros Suportam o Mundo de Drummond, “Chegou um tempo em que não adianta morrer./Chegou um tempo em que a vida é uma ordem./A vida apenas, sem mistificação.”
A leitura dramática apresentada nas Quartas Dramáticas do dia 04/05 pelos alunos do Departamento de Artes Cênicas e dirigida pela professora Rita de Almeida, coordenadora da Companhia Teatro do Instante,  recupera em tudo a genialidade da obra. Sentados em cadeiras de plástico, os atores se dispuseram frente à plateia interpretando seus papéis a todo segundo, a cada gesto, a cada movimento, mesmo quando não estavam em cena. Eram seis atores representando onze personagens. A montagem da leitura dramática apresentou algumas mudanças em relação a pequenas disposições propostas pelo texto de André Amaro. Em alguns momentos, por exemplo, os personagens voltavam-se à plateia para fazer alguma reflexão ou apontamento, como quando Misty se dirige à mulher no trem, mas não há esse personagem na apresentação, então, a personagem dirige-se à plateia ou mesmo quando a Morte de maneira improvisada pede silêncio dos espectadores para mostrar à Lis como se conversa com os olhos.
Por citar a Morte, é imprescindível ressaltar a construção do personagem montado para a apresentação. Oscilando entre uma voz assustadoramente misteriosa e histérica, a Morte arrancou gargalhadas do público com sua maneira bem definida por Lis como “psicodélica”. A interpretação do ator responsável pelo papel foi tão intensamente bem elaborada que chamou para si a atenção total dos espectadores. Não menos trabalhados e sofisticados, os demais papéis também foram extremamente bem sucedidos em impressionar a quem estava assistindo a leitura. Ventana parecia muito mais do que um simples palhaço, trazia em seus olhos a loucura e a alienação do artista desvalorizado. Viloro era o abatimento em pessoa com seus olhos caídos, quase fechados e sua cabeça oscilante. Lis, confiante e decidida, representava maravilhosamente bem o papel da bailarina insistente com a morte. Bali e Misty, ainda que representadas pela mesma atriz, traziam características próprias para o palco e, por último, mas não menos importante, o músico também foi alvo de curiosidade por suas expressões neutras e seu silêncio de palavras envolto pelos sons do sax e da sanfona. Todo o elenco trouxe à vida, de forma própria e surpreendente, a história de Amaro que, por sua vez, também esteve na plateia para prestigiar o trabalho do grupo da professora Rita.
A peça montada pela equipe estará em cartaz, em breve, no Teatro Caleidoscópio, no Sudoeste. Mais informações pelo site http://teatrocaleidoscopio.blogspot.com/
Kézia Abiorana


 AGRESTE, de |Newton Moreno (direção ALICE STEFÂNIA - CEN)



Aluna: Jordana Mascarenhas IMPRESSÕES AGRESTES 


 Uma mulher e um  homem trocam olhares, sentimentos, favores. Apenas se viam, mas não se tocavam, nem se falavam, separados por uma cerca. Apenas gestos, nenhuma palavra. Com o tempo, a cerca, já velha,  ia cedendo e, assim,  possibilitando o encontro dos dois. A mulher toma coragem e adentra a cerca por um buraco. Eles se encontram, mas fogem, pelo medo. Debaixo do sol, deitam à sombra de um mandacaru. Uma mulher de um povoado perto os socorre.
Desde então, vivem juntos por vinte e dois anos. O homem morre. A viúva então confessa que nunca  o viu nem o tocou nu. O povoado descobre que o homem, Etevaldo, na verdade, era uma mulher. Enganou a todos, inclusive aquela a quem tomou por esposa, com quem viveu durante todos esses anos. A população, revoltada, coloca fogo na casa onde  a mulher velava o corpo de Etevaldo, ela é queimada viva.
A peça, de Newton Moreno é de grande densidade poética e imagética. A concepção cênica da diretora Alice Stefânia adensa ainda mais esse caráter do texto. Com música, iluminação e cenário simples que, em momentos de emoção e súplica, nos transportam para o sertão. Os elementos cênicos  evidenciam o intimismo do texto.
Os atores – antes da revelação e quando não representavam tipos, como o padre, a viúva, vizinhos e o delegado – mostravam pluralidade e era fácil perceber nos homens a feminilidade, quando representavam personagens femininos e nas atrizes a masculinidade dos personagens masculinos. O “coringuismo” evidencia a mobilidade de gênero  no espetáculo, recurso interpretativo que corrobora com a temática e a revelação de que se tratava de um casal homossexual, afinal Etervaldo, o morto, era mulher. Assim, o texto  evidencia  as relações humanas, a anticonvenção do amor e como o ser humano lida com o novo. A reação imediata dos vizinhos, do padre, do patrão, do grande proprietário de terras é de indignação e de intolerância, o  ódio contrasta com o amor crescente, que transcende as barreiras de gênero e do medo da morte.
A dramaturgia é clara e o tempo, suficiente, mas dá vontade de ouvir o contador ainda por horas. O texto tem dinamismo e força. A música proporciona um clima ao espetáculo, que ora faz rir; ora, chorar. A iluminação mostra e adensa os diferentes espaços. Os caixotes, elementos do cenário, ao mesmo tempo são pedra, janelas, muros e até capela para rezar. Os atores/atrizes interpretam  várias personagens e servem de ponte entre o sólido e o imaterial. São deles a presença, a voz e os aplausos.
Aluna:  Amanda Felício Picchi
O texto Agreste, de Newton Moreno conta a história de Etevaldo e uma mulher, tímidos, separados por uma cerca. Eles se gostavam, mas não se aproximaram durante anos, pois sentiam que havia algo de errado naquele amor. Porém, certo dia notaram na cerca um buraco que crescia a cada dia que passava. Assim, acabaram se aproximando e fugiram juntos.
Depois de muito correr, o casal se instalou em um povoado no meio do sertão e por lá viveu pacificamente por vinte e dois anos. Até que o marido morreu e, no meio dos preparativos para o enterro, os moradores do lugar descobriram que ele, na verdade, era ela. 
O que antes parecia apenas uma relação baseada na ingenuidade e na pureza se revelou também como  ignorância da mulher sobre o próprio corpo. A esposa não sabia que seu marido era outra mulher, que o corpo de ambas era semelhante, o que  provavelmente pode ser justificado pelo recato, tanto em relação ao corpo do marido, quanto em relação ao próprio corpo.
Ao ser indagada pelo padre sobre se o que sentia pelo marido era amor, a mulher responde não saber o que era aquele sentimento, sabia somente que queria morrer com o companheiro.
Com a descoberta, surge a intolerância dos moradores, que não aceitam a relação homossexual.  E, devido ao conservadorismo, ateiam fogo à casa do casal com a mulher dentro e, assim, realizam o desejo da mulher de morrer com o marido.
O texto é simples, marcado por regionalismos e, mesmo com o drama da esposa, é bem humorado e dinâmico. A leitura é agradável e a história é de fácil entendimento.
Após ler o texto, não sabia bem o que esperar da leitura dramática. Seria a primeira apresentação que eu assistiria do projeto Quartas Dramáticas. Não sabia se haveria objetos cênicos de apoio ou se seriam apenas os atores lendo a peça.Na quarta-feira, 06 de abril, finalmente pude matar minha curiosidade. No começo da leitura me deparei com caixas e velas espalhadas pelo palco, vários atores vestidos com roupas de algodão off white e uma das atrizes portando um violino.  E, totalmente diferente do que eu imaginava, nenhum dos atores possuía um papel fixo. O texto era dividido entre eles em pequenos trechos. Em certo momento um dos atores era o narrador e outro fazia o papel da esposa e, logo, tudo mudava. Diferente do que possa parecer ou até mesmo do que eu esperava que fosse acontecer, o revezamento entre os atores não causou confusão no entendimento do texto. Este recurso, na verdade, deixou a peça mais dinâmica e a tornou bastante interessante.Além disso, o texto era acompanhado por muito movimento e em, algumas cenas, os atores cantavam acompanhados do som do violino.
A leitura do texto Agreste foi uma experiência bem diferente das outras já experimentadas durante a minha vida acadêmica. E é isso que eu espero do projeto Quartas Dramáticas: surpresas tão agradáveis e enriquecedoras quanto esta.
Amanda Felício Picchi




ALUNA: Tamires Felipe Alcântara


Agreste é múltipla em forma e em tema. Escrita por Newton Moreno, a peça lembra um conto repleto de poesia. A fábula que narra a estória de um casal de lavradores nordestinos aborda temas intensos: preconceito social, ignorância, homoerotismo, amor. Agreste traz um “causo de amor” narrado por um contador de histórias. Não se trata, no entanto, do amor idealizado, romântico, por vezes banalizado. É o amor em seu estado mais abstrato: aquilo que não é possível descrever ou explicar, apenas sentir. Esse caráter “invisível” do amor está presente em diversos momentos da peça. O próprio narrador, durante uma reflexão onde se confundem os pensamentos do contador com os da viúva, faz a seguinte pergunta “Amor? o que seria isso? Dor e alívio?”. Dor e alívio, pois é esta a sensação que a viúva tem ao lembrar-se da mãe. E pensa nela como forma de refúgio. Em um momento anterior, quando questionada sobre o amor que tem por seu falecido esposo (“Você o ama?”), Maria responde “Num sei o que é isso não. Eu queria ir mais ele.” Esse “ir mais ele” não seria uma forma de alívio da dor que a perda lhe causa?
      A morte de Etevaldo é o motivo da reviravolta no “causo de amor”. A viúva, que nunca se vira por inteira, ignorante da própria sexualidade, também nunca vira seu marido nu. Assim, duas velhas encarregadas de vestir o morto descobrem que ele é, na verdade, uma mulher travestida em homem. Se Etevaldo e sua mulher eram “um casal benquisto”, deixam de sê-lo e passam a “filhas do demo”. Eis o preconceito, a ignorância e a intolerância de uma sociedade patriarcal, conservadora e hipócrita. A viúva não é capaz de compreender a dimensão daquela descoberta: “A viúva não entendia nada. Não entendia a morte. Não entendia homem. Naquele momento, só entendia a perda.” Para ela, a pessoa morta não é homem, nem mulher, nem nada: é Etevaldo, seu companheiro que “desapareceu a ela”.
      Em uma abordagem tanto fiel quanto original do texto, as imagens abstratas da peça foram traduzidas de modo muito belo em sua encenação. Diversos elementos envolvem sutilmente o espectador em reflexões sobre a complexidade das relações humanas, questões que estão além das expectativas de uma estória amorosa. O papel do contador de estórias é desempenhado não por um, mas por todos os atores, que também assumem todos os outros personagens, revezando-se entre si. “A peça é redonda”, disse um amigo meu após a apresentação. Redonda no sentido de coerência e complementação. Narrativa, cenário, iluminação, maquiagem, figurino, música, direção e atuação formam uma unidade capaz de “tornar visível o que é imaterial” (Toscano, p. 105).

Tamires Felipe Alcântara


As velhas - resenha crítica de  Caroline De Wulf
Como toda esperada “quarta dramática”, mais uma vez o projeto encanta os espectadores. No espetáculo da última quarta-feira(11/05), da peça As Velhas de Lourdes Ramalho, o que surpreendeu os espectadores foi a extraordinária encenação dos atores, que diferentemente das leituras anteriores, não eram alunos de artes cênicas, mas na sua maioria, alunos de letras e funcionárias da secretaria. As Velhas aborda temas como a seca, o poder político, os conflitos familiares e a vida rural, assuntos que problematizam a realidade de certos brasileiros. A presença de muitas personagens protagonistas femininas também chama a atenção para a peça.
Sempre buscando trazer peças nacionais e valorizar os dramaturgos brasileiros, o Quartas dramáticas abordou desta vez uma peça de caráter regional, na qual mostra a vida sofrida de brasileiros que vivem no sertão nordestino. Sob a direção do professor André Luís Gomes, a peça que por si só já é envolvente, captou ainda mais o envolvimento da platéia pelos recursos cênicos utilizados, apesar da pouca estrutura do ANFIi 9.

Caroline De Wulf. Aluna de Literatura Brasileira Teatro

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