Vittor Ibanes
A peça intitulada “O Visitante”, de autoria de Hilda Hilst, escritora brasileira que se dedicou brilhantemente a vários gêneros, incluindo o teatro, foi a obra encenada no projeto Quartas Dramáticas na última quarta-feira 19, sob a direção de Francisco Gomes. Além do entrosamento entre o grupo, outro ponto que roubou a cena foi a exploração imagética do texto.
O texto de Hilda Hilst já se inicia com uma série de indicações sobre cenário e personagens, o que permite que o encenador adentre a atmosfera que ela imaginou, sem, no entanto, tolher-lhe a criatividade. O cenário criado pelo grupo foi fiel às indicações constantes na peça original e ainda extrapolou com alguns elementos como o círculo de sal no chão, velas por toda parte, o laço que prendia Ana (mãe) e Maria (filha) durante todo o espetáculo.
Seguindo a estrutura psicológica proposta por Hilda para a personagem Maria, a atriz encarnou bem a figura da filha amarga, dura e triste. Mas algo que chamou a atenção foi a transformação pela qual passou durante o espetáculo. A cada nova cena de conflito, discussão ou intriga, a personagem Maria ia ficando cada vez mais bagunçada, descabelada, borrada, de modo que no final estava completamente desfigurada, perdida em seus complexos de inferioridade, inveja e desconfiança da mãe.
Em contrapartida, Ana ficava cada vez mais bela. A atriz que a interpretou tinha movimentos suaves, um semblante altivo e uma delicadeza próprias da personagem, o que deixou em evidência a discrepância entre mãe e filha, mesmo estando vestidas do mesmo modo. O figurino foi outro ponto que obedeceu às indicações do texto, Ana e Maria estavam com o mesmo vestido branco, enquanto que o Marido e o Corcunda também estavam idênticos no que tange aos trajes.
Ao passo que as mulheres interpretaram de maneira exímia suas personagens, os homens não atingiram o mesmo grau de intimidade com os seus. O ator que interpretava o corcunda Meia Verdade foi pouco expressivo, falou muito baixo, quase não se compreendia. Já o que interpretou o marido de Maria, foi o oposto. Um pecou por falta e o outro, por excesso: entonações em momentos inoportunos, gritos desnecessários marcaram a interpretação do marido de Maria.
A profundidade simbólica aliada à exploração imagética da encenação deram à leitura cênica de “O Visitante” uma carga poética muito grande e fizeram dos espectadores, envoltos em fios de barbante no início da leitura, parte do espetáculo, como se no palco também estivéssemos expondo as nossas meias verdades, nossos pretextos e histórias mal contadas.
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