quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O LIVRO DE JÓ – tensão, pavor, assombro e êxtase (Cássio de Azevedo Guedes)



O TEXTO
            Em 1995 estreia a peça “O Livro de Jó”, de Luís Alberto de Abreu, encenada pelo grupo “Teatro da Vertigem”. Na ocasião, o ambiente escolhido para a primeira representação não foi nada convencional: uma sala cirúrgica de hospital. Esse conhecido episódio bíblico converte-se num pretexto para a exploração das mazelas enfrentadas pela humanidade no final do século XX.
            Jó, escolhido por Deus como exemplo de fé, perde tudo o que tinha, inclusive a saúde. Acometido por uma grande peste assistimos à provação da sua fé. Enquanto isso, aparecem os seus amigos e a sua esposa que o questionam a todo tempo sobre os fundamentos da sua crença e a fidelidade a seu culto. Diante disso,  Jó questiona a si mesmo.
            Jó (em fase terminal) peregrina em busca de respostas, sempre inconformado com as falsas informações sobre Deus e a vida. Seu corpo se entrega, mas seu espírito jamais. Morre Jó e impera uma reflexão. Reflexão sobre a crença, a fé, a religião, a morte, a existência, o mundo contemporâneo e as suas mazelas.
           



A ENCENAÇÃO

            Para aproximar o público do ambiente onde se passa a história, o grupo dirigido pela professora Rita de Almeida Castro abusa de elementos cênicos para propiciar a percepção de uma atmosfera hospitalar. Na entrada, doentes enfaixados e de jalecos dão as boas-vindas aos espectadores e oferecem a cada um, máscaras cirúrgicas como as que estão usando. Antes disso, uma das personagens que atuará na encenação, convida a todos para acompanhar de perto a peregrinação de Jó e a se identificar com ele, pois não se trata “daquele” do deserto, e sim o Jó que vive no mundo atual.
            O grupo de teatro no afã de aproximar o público o máximo possível da história ali representada e fazê-lo parte integrante de tamanho questionamento da fé e percepção da dor, organiza-o em círculo no palco, bem próximo dos atores. A utilização de uma grande quantidade de velas, simboliza a vigília realizada pelos que acompanham Jó em seus últimos instantes de vida e nos remete a um misto de moderno e medieval.
            A direção da peça opta por uma inversão de papéis. Jó é representado por uma mulher e a sua esposa, por um homem. Esse fato parece simbolizar a crise de existência e de crença que acomete toda a humanidade, sem distinção de sexo, cor e raça. A esposa de Jó se auto-mutila enquanto a peça se desenrola, sofrendo com cada frase proferida por Jó e por seus amigos. Quando com a tesoura corta as luvas que o personagem estica com os dentes, a impressão é de que corta realmente uma parte da sua pele. Essa atitude aliada aos gemidos e ao movimento trêmulo do seu corpo transmite uma imensa angústia ao público, que acompanha aterrorizado esse ato.
            Para alcançar o objetivo de sensibilizar a plateia, o grupo não lança mão apenas do visual e da palavra. A sonoridade assume uma importância grandiosa no andamento da peça. Vale ressaltar que a emissão de sons acontece ao vivo. Um músico, presente ao lado, realça cada ação, pausa e silêncio encenado com a ajuda de um piano e alguns instrumentos de percussão. Pode-se afirmar que a peça se engrandece graças ao apelo aos sentidos.
            Cessam-se os diálogos, morre Jó, o silêncio domina por alguns minutos o espaço cênico. Silêncio didaticamente intencional. Cada componente da platéia, envolto num clima de tensão, pavor, assombro e êxtase,  reflete a respeito da fé e do maior temor da humanidade: a morte.

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