O Visitante: Meia Verdade de HILDA HILST
Cássio de Azevedo Guedes
Peça escrita em 1968. Texto profundamente marcado pela linguagem poética. Não à toa, pois a autora é uma grande poetisa. Uma pequena família composta por três membros, mãe, filha e o seu marido compõe a peça. Família em constante conflito. Conflito gerado pelo ciúme de Maria (a filha) em relação ao seu marido e à sua mãe, mulher encantadora e de rara beleza. Um quarto personagem aparece adiante, o visitante. Homem tratado pelo marido de Maria como um desconhecido.
Ana, indireta e constantemente, diz à sua filha que carrega no ventre um novo filho, sondando-a e estudando a sua reação. Maria, sempre áspera, mal humorada, tensa, infeliz, desconfiada, amarga, condena a mãe. Como poderia estar grávida se não percebe a mãe se relacionando com outro homem? A tensão aumenta, pois a mãe convive o tempo todo com o seu marido, cantam juntos, o diálogo entre eles é afável, descontraído, leve e, pior ainda, seu marido repete o nome “Ana” à noite quando se deita! Em boa hora chega o “visitante” ou “Meia Verdade”. Ana enfim se sente aliviada e atribui a ele, o visitante, a paternidade do filho que a mãe supostamente carrega no ventre.
A problemática do adultério torna-se secundária diante da beleza dos diálogos, carregados de poesia e diante das longas pausas entre as falas das personagens. A beleza da linguagem utilizada por Hilda Hilst encanta o leitor e não lhe provoca um riso fácil. A peça é enxuta, seca e com diálogos densos. Nota-se que as pausas e os silêncios esticados são absolutamente necessários para o desenvolvimento da peça.
A ENCENAÇÃO
Cenário atraente, cor preta predominante. Uma mesa no centro, duas cadeiras, dois móveis de cada lado da mesa. Velas espalhadas pelo espaço cênico criam uma atmosfera intrigante. Um jarro de flores ameniza um pouco o ambiente. Vinho, pães e frutas representam a ceia preparada pelas mulheres.
Pouca luz, e sobre o palco surge Ana, nua, entoando um canto triste. Inicia-se a peça, entram mãe e filha vestidas iguais, tecido fino e leve, de cor branca. No palco, delimita-se o espaço cênico com farinha de trigo, trigo usado na fabricação dos pães, preparados por elas, formando um círculo, onde ocorrerá a encenação.
Diferentes, opostas, mas inteiramente ligadas uma à outra, assim são Ana e Maria. O marido de Maria entra no palco e com um longo tecido branco ata a vestimenta das duas, simbolizando essa ligação entre elas. Antes de iniciar os diálogos os personagens masculinos banham as personagens femininas. Uma bacia com líquido dentro e um pano são usados no banho.
Até então impera o silêncio. De repente um grande novelo de barbante demarca o palco e se estende até a plateia. Todos se prendem nos fios do novelo: as personagens e o público. O barbante representa a clausura em que vivem as personagens, presas nos fios das suas meias verdades.
A maquiagem da personagem Maria é escura, o que lhe confere um ar fechado, tenso, infeliz e gestos duros. Em contraposição, Ana é suave, agradável, envolvente, o que se pode ler no seu semblante leve, sorridente e profundo.
Enfim, rompe-se o tecido que ligava mãe e filha. Maria se sente confortável com a presença do visitante, atribuindo-lhe a provável paternidade do bebê que a mãe espera. Seu semblante muda, torna-se mais doce, mais tranquilo, a mãe acaricia a filha que debruça-se sobre o seu colo, tranquilizando-a com uma canção de ninar. É o fim do texto cuja densidade poética torna o público cúmplice do que acontece em cena, mas angustiado, pois fica a sensação de Meia Verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário