Mateus e Mateusa: entre adornos e marcações

Ana Luiza de Jesus Miranda

A peça Mateus e Mateusa, encenada pelo Coletivo Ala-ôca, no projeto Quartas Dramáticas, de autoria de Qorpo Santo, apresenta-nos à família de Mateus que tem três filhas com a senhora Mateusa. Em pleno século XIX a narrativa é um recorte de tempo no cotidiano dessa família e conta com o casal protagonista, as três filhas e o criado como personagens.

Cheia de críticas sutis e completamente letais a peça traz costumes sórdidos e jogos sociais que eram comuns principalmente dentro de casa. Essas críticas se dão naquilo que não é dito, mas é encenado. Frases infantis e inocentes ganham uma ironia ferina quando acompanhadas de olhares furtivos, gestos carregados por vezes de erotismo e humor caricato.

Outro ótimo ponto da peça é a dança coreografada de luz e fala. A peça, sempre carregada de cores fortes e quentes, sofre um constante corte de luz fria, quando entra o criado taciturno, com sua voz baixa e seu gasto discurso decorado de normas, regras e atribuições. O que é instigador, pois a cada intromissão o criado acelera e aumenta o volume de sua voz ao anunciar o cânone do século, como um aparelho defeituoso. E ao fim, numa surpreendente improvisação ele fecha a peça numa explosão de palavras desconexas e inúteis. Assim como o próprio cânone que não conseguia se desprender das palavras, por mais que finja o controle de si e da sociedade a quem diz que serve como um criado.

A encenação em questão — dirigida por César Lignelli — foi montada diretamente para o público da rua, o que possibilitou maravilhosos adornos e marcações de cenas inusitadas para sua execução. Como, por exemplo, o trailer customizado sendo o local escolhido para cenário. A peça, que se inicia com uma abertura animada do lado de fora puxa o público para dentro desse pequeno espaço, onde é possível ver o que se passa por meio de câmeras instaladas e (é claro!) uma abertura retangular, que deixa os olhos modernos familiarizados com seu formato televisivo.